quinta-feira, 23 de julho de 2015

O perigo das estradas para a fauna silvestre

Julho é mês de férias e muitas pessoas aproveitam esse período para viajar e descansar. Se você utilizar as estradas para este propósito certamente irá se deparar com uma cena bem triste: animais atropelados às margens das estradas. Mas será que esses casos podem ser considerados esporádicos? Será que a forma como as rodovias são projetadas interfere na ocorrência dessas mortes? Como nós podemos ajudar a diminuir esses casos? No texto de hoje vamos entender quão grave é essa questão e como podemos colaborar para reverter esse quadro.
Desde a política do “governar é abrir estradas” proposta pelo então governador de São Paulo Washington Luís o Brasil tem hoje aproximadamente 203.943,3 km de estradas pavimentadas (http://oglobo.globo.com/brasil/no-brasil-80-das-estradas-nao-contam-com-pavimentacao-13710994). Apesar de serem importantes para o desenvolvimento da sociedade e de suas atividades, as estradas são fonte de interferência humana nos ecossistemas. Elas são a causa de ruídos, poluição atmosférica, podem fragmentar ecossistemas, alterar habitat, servir como barreiras aos animais e aumentar a taxa de atropelamentos.
      Mas de que forma a construção de estradas aumenta o número de animais atropelados? O primeiro motivo é que as rodovias “cortam” o habitat natural dos animais, interferindo em seus deslocamentos naturais, ou seja, as estradas acabam passando pelos caminhos e locais que os animais visitavam e andavam. O segundo motivo é que próximo às estradas existe maior disponibilidade de alimentos (como grãos e frutas) derrubados por caminhões e isso leva a um ciclo de problemas: imagine que um animal vá para perto de uma estrada, pois sente o cheiro de comida, infelizmente esse animal acaba sendo atropelado e sua carcaça fica na estrada; depois de um tempo, outro animal começa a se deslocar para a perto desse local, pois sente o cheiro da carcaça, podendo ser atropelado também e assim sucessivamente.
       Funcionando como barreiras, as estradas “assustam” e desencorajam os animais a se deslocarem de um lado para outro, deixando de seguir seus padrões e instintos naturais. Se um animal não consegue chegar em um lugar específico ou morre atropelado no percurso, os danos podem ser grandes. Ele pode não conseguir encontrar recursos como alimentos, ficar longe de seu grupo e, em uma escala mais problemática, não encontrar um parceiro para reprodução o que pode levar à diminuição de indivíduos de uma espécie e menor variabilidade genética. Em casos extremos podem ocorrer extinções regionais de algumas espécies. Além disso, as estradas acabam diminuindo a qualidade de um habitat natural por causa da poluição causada pelas fumaças tóxicas e pelos ruídos. É fácil perceber que não é legal morar perto de uma estrada, pois até mesmos nós humanos nos incomodamos com esses problemas.
      Existem muitos estudos e levantamentos que ajudam a entender melhor esse problema ambiental. Uma estimativa feita nos EUA revela que as chances de uma tartaruga sobreviver ao tentar atravessar uma estrada é de 2%, ou seja, praticamente nula. No Brasil as estatísticas são assustadoras: estima-se que por DIA 1,3 MILHÕES de animais morram atropelados, o que resulta em 475 MILHÕES de animais selvagens atropelados no Brasil por ANO. Noventa por cento desse total é de pequenos vertebrados, ou seja, anfíbios (sapos e pererecas) e répteis (serpentes e pequenas tartarugas); 9% são vertebrados de médio porte, como as corujas, e 1% são vertebrados de grande porte, como as onças. Os animais de menor porte são atingidos com maior frequência, pois são mais difíceis de serem vistos e desviados. O atropelamento de animais também é perigoso para nós humanos, pois essas situações podem ocasionar acidentes graves de veículos.
      Diante de todos esses dados alarmantes devemos nos perguntar: o que podemos fazer? Para a nossa sorte existem pessoas muito empenhadas em resolver o problema de atropelamento da fauna silvestre. Alguns estudos mostram quais ações podem ser feitas para diminuir os atropelamentos, entre essas está a construção de desvios, corredores ecológicos, cercas e passagens. Essas “construções” garantem que os animais fiquem protegidos e consigam se deslocar com segurança de um lugar para outro quando em seu habitat natural existem estradas (veja na figura 1 alguns exemplos).
Figura 1- Exemplos de construções que ajudam na proteção e deslocamento dos animais silvestres na beira de estradas
E nós podemos fazer a nossa parte também! Além de prestar atenção às placas de sinalização das estradas (como na figura 2) podemos ajudar na coleta de dados sobre os atropelamentos e para isso a tecnologia é a nossa aliada! Criado no Brasil o Sistema Urubu é a maior rede social com o objetivo de estudar e ajudar na preservação da fauna brasileira; ele reúne informações de várias fontes para auxiliar na tomada de decisão para preservar a nossa biodiversidade. E sabe o que é o melhor de tudo? Você pode ser um colaborador! Basta baixar o aplicativo gratuito Urubu Mobile e a partir daí você já é um guardião da nossa natureza; sempre que encontrar um animal atropelado basta fotografar e enviar ao banco de dados; a partir desse momento os especialistas vão validar e estudar a foto, identificando, por exemplo, a espécie do animal que foi atropelado; essa informação é então depositada em um banco de dados ao qual todos têm acesso e que é atualizado diariamente. Você pode ter mais informações e acessar esses dados públicos clicando aqui: http://cbee.ufla.br/portal/sistema_urubu/index.php

Figura 2 - Placa em beira de estrada sinalizando a presença de animais silvestres. Fonte da imagem: http://www.rodosol.com.br/blog/wp-content/uploads/2011/01/placa-fauna1.jpg
Mas além de tudo isso as pessoas precisam ter consciência ambiental. Saber que todos os outros animais merecem respeito e merecem cuidados também. Uma pesquisa feita no Canadá utilizou serpentes e tartarugas falsas (feitas de borracha) para simular uma situação de um animal presente nas margens de uma pista. As respostas observadas pelos pesquisadores podiam ser (A) motorista ajudou no resgate do animal, (B) o motorista desviou do animal (C) o motorista atropelou o animal; o resultado observado demonstrou que alguns motoristas intencionalmente atropelavam os animais. Triste não é mesmo? Com isso podemos perceber que antes de mudar estradas, construir cercas ou criar aplicativos, precisamos mudar nossa forma de pensar e isso depende de cada um de nós.
Diante disso, nós temos que ser conscientes, cobrar atitudes dos políticos, colaborar com as iniciativas dos pesquisadores como do Sistema Urubu e sobretudo, sermos humanos! A conservação das nossas riquezas depende de nós!
E você já viu algum animal atropelado na pista? Qual foi sua reação? E o que acha de propostas como a do Sistema Urubu? Ficou com alguma dúvida ou tem alguma sugestão? Fique à vontade e comente em nossa página!

Até a próxima,

Por Nathália de Moraes
nathalia.esalq.bio@gmail.com

Referências bibliográficas
[1] Abra, F.D. (2014). Atropelamento de fauna: desastre ambiental fácil de evitar. Acessado de http://www.oeco.org.br/convidados/28467-atropelamento-de-fauna-desastre-ambiental-facil-de-evitar em maio de 2015.
[2] Lima, S.F.; Obara, A.T. (sem data). Levantamento de animais silvestres atropelados na BR-277 às margens do Parque Nacional do Iguaçu: subsídios ao programa disciplinar de proteção à fauna. Acessado de http://pt.slideshare.net/PaulaBugana/animais-atropelados-emrodovias em maio de 2015.
[3] Sássi, C.M.; Nascimento, A.A.T.; Miranda, R.F.P.; Carvalho, G.D. (2013). Levantamento de animais silvestres atropelados em trecho da rodovia BR482. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia. 65 (6). Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-09352013000600041
[4] Lima, S. L.; Blackwell, B. F.; DeVault, T.L.; Fernández-Juricic, E. (2015). Animal reactions to oncoming vehicles: a conceptual review. BiologicalReviews. 90: 60-76.  Disponívelem: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/brv.12093/epdf
[5]Gaskill, M. (2013). Rise in roadkill requires new solutions. Acessado dehttp://www.scientificamerican.com/article/roadkill-endangers-endangered-wildlife/ em maio de 2015.
[6] Atropelômetro do Sistema Urubu. Acessado de http://cbee.ufla.br/portal/atropelometro/ em maio de 2015.
[8] Ashley, E.P.; Kosloski, A.; Petrie, S.A. (2007). Incidence of intentional vehicle-reptile collisions. Human Dimensions of Wildlife. 12: 137-143. Disponível em: http://longpointwaterfowl.org/wp-content/uploads/2011/08/Ashley-et-al.-roadkill.pdf



The danger of roads for wild fauna


            July is a holiday month, and many people take advantage of this time to travel and rest. If you use the roads for this purpose, you will certainly come across a very sad scene: run-over animals by roadsides. Can these cases be considered sporadic? Does the way in which the roads are designed influence the occurrences of these deaths? How can we help reduce this scenario? In today’s text, we will understand how serious this issue is and how we can contribute to revert it.
         Ever since the policy of “governing is opening roads”, put forward by the then governor of São Paulo Washington Luís, Brazil has around 203,943.3 km (around 126,724.5 mi) of paved roads (http://oglobo.globo.com/brasil/no-brasil-80-das-estradas-nao-contam-com-pavimentacao-13710994). Even though highways are important for the development of society and of its activities, they are a source of human interference in ecosystems. They can cause noise and air pollution, fragment ecosystems, alter habitats, serve as barriers for animals, and raise roadkill rates.
            But how does the construction of roads increase the risk of roadkill? The first reason is that highways “cut” through the animals’ natural habitat, interfering in their natural displacement; that is, the roads end up passing through places where animals used to visit and walk. The second reason is that, near to the roads, there is a higher readiness of food (such as grains and fruits) dropped by trucks, and this leads to a cycle of problems. Imagine that an animal gets close to a road, because it smells food, and that it is unfortunately run over, its carcass being left on the road. After some time, another animal starts to move closer to this place, since it smells the carcass, becoming more exposed to being run over as well, and so on.
            Acting as barriers, roads frighten animals and discourage them to go from one side to the other, making them stop follow their natural patterns and instincts. If an animal cannot reach a specific place or is run overon the way, damage can be big. It may not be able to find food, stay away from its group, and, on a more problematic level, not find a partner for reproduction – which can lead to a smaller number of individuals of a species and to a decrease in genetic variability. In extreme cases, there can happen regional extinction of some species. Moreover, roads end up reducing the quality of natural habitats due to noise and to pollution coming from toxic smoke. It is easy to notice that it is not nice to live close to a road, since even we, human beings, are disturbed by those problems.
            Many studies and surveys help us better understand this environmental problem. An estimate made in the USA shows that the chances for survival of a turtle crossing a road is of 2%, that is to say virtually inexistent. In Brazil, the statistics are scary: it is estimated that 1.3 million animals are run over and die each day, which makes for 475 million wild animals run over each year. Ninety percent of those animals are small vertebrates, i.e. amphibians (frogs and tree frogs) and reptiles (snakes and small turtles); 9% are medium size vertebrates, such as owls; and 1% are large vertebrates, such as leopards. Small animals are more often hit, since they are harder to see and to avoid. The running over of animals is also dangerous to humans, because it can lead to serious car accidents.
            Faced with all this alarming data, we need to ask ourselves, what can we do?
            Luckily, there are many people committed to solving the problem of wild fauna roadkill. Some studies show what can be done to reduce this: the construction of detours, wildlife corridors, fences, and passages. They protect the animals and guarantee that they are able to move safelyfrom one place to another when there are roads in their natural habitats (see picture 1 for some examples).
Figure 1
            And we can contribute! Besides paying attention to the road signs (like the one in picture 2), we can help with data gathering about roadkill – and technology is our ally! Sistema Urubu (literally, Vulture System), created in Brazil, is the biggest network dedicated to studying and helping to preserve Brazilian fauna. It gathers information from various sources to make educated decisions and save our biodiversity. And do you know what the best part is? You can be a collaborator! You only need to download the free app Urubu Mobile and you will be a guardian of our nature. Each time you come across a run-over animal, you just need to take a picture of it and send it to the database; then, experts will validate and study the picture, identifying, for example, the species of the animal that has been hit. This information is then added to a database that is daily updated and to which everybody has access. You can find further information and access this public data by clicking here: http://cbee.ufla.br/portal/sistema_urubu/index.php
Figure 2 - The sign reads: CAUTION. Area of wild animal crossing. Crab-eating fox (Cerdocyon thous). Careful with our fauna. From: http://www.rodosol.com.br/blog/wp-content/uploads/2011/01/placa-fauna1.jpg
            Besides all that, people must be environmentally aware – know that all the other animals also deserve respect and care. A research carried out in Canada used rubber snakes and turtles to simulate animals by the roadside. The responses observed could be (1) the driver helped rescue the animal, (2) the driver avoided hitting the animal, (3) or the driver ran over the animal. The results showed that some drivers intentionally hit the animals. Sad, isn’t it? So before changing roads, building fences or creating apps, we need to change our way of thinking – and that depends on each one of us.
            Therefore, we need to have awareness, to demand actions from politicians, to collaborate with initiatives such as Sistema Urubu, and, above all, to be human! The preservation of our treasures depends on us!
            Have you ever seen a run over animal by the roadside? What was your reaction? What do you think of enterprises like Sistema Urubu? Do you have any questions or suggestions? Be our guest and comment on our page!
            We’ll see you soon,

Written by Nathália de Moraes

Translated by Thomaz Offrede

References
[1] Abra, F.D. (2014). Atropelamento de fauna: desastre ambiental fácil de evitar. Acessado de http://www.oeco.org.br/convidados/28467-atropelamento-de-fauna-desastre-ambiental-facil-de-evitar em maio de 2015.
[2] Lima, S.F.; Obara, A.T. (sem data). Levantamento de animais silvestres atropelados na BR-277 às margens do Parque Nacional do Iguaçu: subsídios ao programa disciplinar de proteção à fauna. Acessado de http://pt.slideshare.net/PaulaBugana/animais-atropelados-emrodovias em maio de 2015.
[3] Sássi, C.M.; Nascimento, A.A.T.; Miranda, R.F.P.; Carvalho, G.D. (2013). Levantamento de animais silvestres atropelados em trecho da rodovia BR482. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia. 65 (6). Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-09352013000600041
[4] Lima, S. L.; Blackwell, B. F.; DeVault, T.L.; Fernández-Juricic, E. (2015). Animal reactions to oncoming vehicles: a conceptual review. BiologicalReviews. 90: 60-76.  Disponívelem: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/brv.12093/epdf
[5]Gaskill, M. (2013). Rise in roadkill requires new solutions. Acessado dehttp://www.scientificamerican.com/article/roadkill-endangers-endangered-wildlife/ em maio de 2015.
[6] Atropelômetro do Sistema Urubu. Acessado de http://cbee.ufla.br/portal/atropelometro/ em maio de 2015.
[8] Ashley, E.P.; Kosloski, A.; Petrie, S.A. (2007). Incidence of intentional vehicle-reptile collisions. Human Dimensions of Wildlife. 12: 137-143. Disponível em: http://longpointwaterfowl.org/wp-content/uploads/2011/08/Ashley-et-al.-roadkill.pdf

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