quinta-feira, 26 de março de 2015

Ciência Informativa discute: Mosquitos Transgênicos

      A ideia de termos animais geneticamente modificados sendo liberados nos nossos quintais nos faz pensar em filmes de ficção científica, mas esse tipo de cenário está cada vez mais próximo de se tornar realidade. A partir de abril, mosquitos Aedes aegypti transgênicos devem ser introduzidos no bairro Cecap de Piracicaba, no interior de São Paulo. O Ministério Publico Estadual recomendou a suspensão do projeto, acatando a representação do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de que o Aedes transgênico não tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas a intenção da prefeitura é que o impasse seja resolvido até a data da soltura. 

fonte: Wikipedia Commons
     A utilização de transgênico é um assunto que gera muita polêmica, mas você sabe o que são transgênicos? Quais os ricos e benefícios envolvidos na utilização dos mesmos? Como diz o antigo provérbio, “conhecimento é poder” então, antes de ter uma opinião radical contra ou a favor dos transgênicos, acompanhe a matéria!
      A dengue é uma doença causada por um vírus que é transmitido pela fêmea do mosquito Aedes aegypti. Várias pesquisas têm sido realizadas para tentar encontrar uma vacina contra o vírus e, em paralelo, para tentar diminuir o número de mosquitos. Até agora, nenhuma vacina eficaz foi encontrada e, apesar dos esforços e avanços na contenção da proliferação dos mosquitos, o número de casos de dengue tem crescido rapidamente no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, em 1990, foram registrados pouco mais de 40 mil casos, enquanto em 2013 esse número subiu para quase 1 milhão e meio (para ver o números para cada estado e região, clique aqui [1].

     Para tentar combater o problema, um grupo de pesquisadores da empresa Oxitec (Inglaterra) desenvolveu uma linhagem de mosquitos machos "estéreis" usando biotecnologia. Os machos são capazes de copular com as fêmeas assim como os machos “normais” [2]. A diferença é que a prole dos machos transgênicos não se desenvolve normalmente e não passam da fase de larva. Assim, em pouco tempo a população de mosquitos diminui drasticamente [3]. Para entender como esse gene funciona e como é possível obter machos transgênicos adultos, veja o box.

     Interferir no genoma de um organismo tem o potencial de trazer consequências indesejadas. Então, para entender melhor quais os potenciais riscos de liberar mosquitos transgênicos, pesquisas têm sido feitas e reuniões têm sido organizadas desde 1991 entre pesquisadores, agências reguladoras, membros do comitê de biossegurança. A partir dessas reuniões, vários riscos potenciais foram identificados. A maioria dos riscos são insignificantes, mas alguns podem ser um problema. Abaixo estão listados alguns dos riscos. Para saber mais sobre os demais riscos, veja os artigos originais: [4, 5].

1. Aumento na transmissão da dengue: risco baixo
     Os grupos de discussão avaliaram a possibilidade dos machos começarem a picar, mas eles não possuem estrutura bucal, nem do trato digestivo nem são capazes de produzir os anti-coagulantes necessários.
    Também existe a possibilidade das fêmeas se tornarem mais agressivas ou aumentarem o número de picadas, aumentando o potencial de transmissão da dengue. Esse tipo de comportamento ainda não foi observado em laboratório, mesmo após 100 gerações.
    Como apenas as fêmeas são capazes de nos picar e apenas os machos são liberados nas áreas de infestação, o aumento inicial do número de mosquitos nas áreas onde são liberados não deve causar aumento no número de indivíduos transmissores.

2. Aumento na resistência a inseticidas: risco baixo
     O gene inserido nos machos transgênicos tem como objetivo diminuir a sobrevivência das larvas, então provavelmente eles seriam tão sucetíveis a inseticidas quanto os mosquitos selvagens. Entretanto, mais pesquisas precisam ser feitas para determinar com mais precisão a suscetibilidade a inseticidas.

3. Efeitos sobre a cadeia alimentar na natureza: risco baixo
     Como o Aedes aegypti não é uma espécie nativa do Brasil, a redução da sua população não deve causar problemas para o equilíbrio do ecossistema.

4. Aumento do número de outras espécies de mosquitos: risco médio
     É possível que as populações de outras espécies de mosquito como Aedes albopictus (também transmissor da dengue) aumente pela diminuição da competição.

5. Contaminação do solo e da água: risco baixo
     As proteínas produzidas pelo gene letal são digeridas tanto por mamíferos como por outros insetos, mas é necessário realizar estudos do potencial de contaminação do solo e da água.

6. Presença de tetraciclina no ambiente: risco baixo
    A eficácia do gene letal pode ser reduzida se houver tetraciclina no ambiente (veja o motivo no box).

7. Instabilidade do gene introduzido: risco insignificante
     É possível que o gene inserido não funcione corretamente e falhe em inviabilizar o desenvolvimento das larvas. Os estudos mostraram que o gene é estável por pelo menos 50 gerações. Como as larvas com o gene inserido morrem antes de se tornarem adultos, em teoria esse gene só é passado para uma geração.

8. Transferência do gene letal para os humanos: risco insignificante
     Existe uma remota possibilidade do gene letal ser transferido para bactérias que vivem dentro do mosquito, mas não há evidências de transferência para humanos, porque os mecanismos usados para inserir o gene nos mosquitos é desativado.

9. Potencial de transmissão do gene letal para outras espécies: risco insignificante
     O cruzamento do mosquito da dengue com outras espécies é muito rara, porque os órgãos genitais de diferentes espécies são incompatíveis. Nos raros casos de cruzamento, os híbridos formados não se desenvolvem.

10. Machos transgênicos poderiam se auto-replicar: risco insignificante
     Apesar de alguns animais serem capazes de se auto-replicar, tanto por clonagem, brotamento ou outros mecanismos, nunca foi observado nenhum desses comportamentos em insetos.

      Então, com tantos riscos, por que os mosquitos transgênicos já estão sendo liberados? De acordo com pesquisas realizadas após introduções experimentais, os benefícios para a população obtidos com esse método são muito maiores que os potenciais riscos. Veja mais detalhes aqui [6]
1. Redução da necessidade do uso de inseticidas
     Como as larvas com o gene letal morrem, o número de mosquitos adultos deve diminuir, diminuindo a necessidade de inseticidas.

2. Diminuição da ocorrência de casos de dengue
     Se o número de insetos diminui drasticamente, o vírus que causa a dengue não deve ser mais espalhado tão facilmente.

3. Diminuição dos custos
     Mesmo que o custo de produção de mosquitos transgênicos sejam altos, eles ainda são muito menores do que o custo do tratamento das pessoas com dengue. Então, o investimento total seria menor.

     Como vocês podem ver, ainda existem questões a serem melhor estudadas e existem potenciais riscos associados aos transgênicos. Por outro lado, também existem potenciais benefícios principalmente para saúde pública. O assunto ainda está longe de ser consenso e certamente muito ainda precisa ser estudado e debatido. O mais importante é conhecer os fatos para poder dar os devidos pesos aos riscos e benefícios dessas novas tecnologias.


Box. Como são feitos os mosquitos transgênicos?
O gene que causa a morte das larvas do mosquito (gene letal) é inserido nos ovos de um mosquito "normal" (selvagem). Esse gene se liga ao DNA presente nas células do embrião usando técnicas de engenharia genética [7]. Após o desenvolvimento do embrião, o gene produz uma molécula (proteína) que interfere na atuação de outros genes essenciais para o funcionamento normal das células, levando à morte da larva.

Então, como os machos transgênicos chegam à fase adulta para serem liberados nas cidades?
O gene letal pode ser desativado por um antibiótico chamado tetraciclina, que funciona como um antídoto. Então, se os cientistas colocam esse antídoto na água onde as larvas se desenvolvem, o gene letal é desativado e as larvas transgênicas podem se desenvolver normalmente.

Como os cientistas sabem se o gene letal foi realmente inserido no DNA do mosquito?
Os cientistas inserem um gene que produz uma fluorescência verde juntamente com o gene letal. Então, as larvas transgênicas brilham, quando vistas usando um microscópio especial.

Referências
[1] http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/31/Dengue-classica-at---2013.pdf
[2] Massonnet-Bruneel, B., Corre-Catelin, N., Lacroix, R., Lees, R. S., Hoang, K. P., Nimmo, D., ... & Reiter, P. (2013). Fitness of transgenic mosquito Aedes aegypti males carrying a dominant lethal genetic system. PloS one, 8(5), e62711.
[3] Phuc, H. K., Andreasen, M. H., Burton, R. S., Vass, C., Epton, M. J., Pape, G., ... & Alphey, L. (2007). Late-acting dominant lethal genetic systems and mosquito control. BMC biology, 5(1), 11.

[4] Beech, C. J., Nagaraju, J., Vasan, S. S., Rose, R. I., Othman, R. Y., Pillai, V., & Saraswathy, T. S. (2009). Risk analysis of a hypothetical open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strain to combat dengue. Asia Pacific Journal of Molecular Biology and Biotechnology, 17(3), 99-111.
[5] Patil, P., Alam, M., Ghimire, P., Lacroix, R., Kusumawathie, P., Chowdhury, R., ... & Aung, M. (2012). Discussion on the proposed hypothetical risks in relation to open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strains to combat dengue. As. Pac. J. Mol. Biol. & Biotech, 18(2), 241-246.
[6] Morris, E. J. (2011). Open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strain to combat dengue- a structured risk-benefit analysis. Asia-Pacific Journal of Molecular Biology and Biotechnology, 19(3), 107-110.
[7] http://www.nature.com/scitable/topicpage/transposons-the-jumping-genes-518

por Patricia Sanae Sujii
sujiips@gmail.com

sexta-feira, 20 de março de 2015

Alimentação Saudável x Alimentação Sustentável: Qual a diferença?

Quem nunca ouviu falar que é preciso ter uma alimentação saudável para ter uma melhor qualidade de vida? Ou que comer gordura e fritura não faz bem para a sua saúde? Tudo isso é verdade, alimentar-se bem, de forma equilibrada, é fundamental para ter uma vida mais saudável e longínqua. Por outro lado, cada vez mais se fala em sustentabilidade, em como agir de maneira economicamente e ambientalmente viável para que possamos viver em um mundo melhor. Mas é possível juntar esses conceitos? Será que é possível tem uma alimentação ao mesmo tempo saudável e sustentável? Como isso seria?

Figura 1. Varejão 2 AMIGOS localizado na cidade de Piracicaba/SP. (Foto: Julia Savieto) 
 Vamos pensar em exemplos práticos, como um prato de comida tipicamente brasileiro com arroz, feijão, farofa, carne, salada de alface e tomate. Parece um prato saudável não? Agora vamos pensar como esse prato chega à nossa mesa, aqui em Piracicaba, no interior do Estado de São Paulo. Vamos pensar no arroz, imagine que esse grão é produzido no Estado de Mato Grosso e transportado por rodovias por aproximadamente 1.200 km; e do feijão, vamos supor que ele é produzindo no Paraná e transportado por 700 km em rodovia. Vamos nos ater apenas a esses dois grãos, para ele chegar até a nossa mesa aqui em Piracicaba eles viajaram, juntos, quase 2.000km em rodovias, utilizando combustíveis fósseis e embalagem. Então você acredita que esse prato pode ser considerado sustentável?  
Não estou falando para deixarmos de comer arroz e feijão, longe disso! Estou tentando mostrar a dificuldade de conseguirmos juntar dois conceitos tão importantes como a alimentação saudável e a sustentabilidade. Aplicar esses conceitos em nossa vida é ainda mais complicado, já que é preciso encontrar um equilíbrio entre eles, sem que haja um favorecimento de um em detrimento do outro. Parece que estamos em uma encruzilhada, ou escolhemos uma alimentação mais saudável independente das consequências ambientais por traz deles, ou escolhemos uma alimentação composta de produtos com menor impacto no ambiente, independente das propriedades nutritivas deles.
Parece algo complicado, e acredito que muitos de vocês leitores nunca param para pensar nisso. Eu confesso que também não tinha parado para refletir até uns cinco meses atrás, durante uma aula de faculdade da disciplina de Sistemas de Produção ministrada pelo Prof. Dr. Carlos Armenio Khatounian da ESALQ/USP. Esse assunto realmente chamou tanta minha atenção que decidi compartilhar com vocês. As soluções apontadas pelo Prof. Armênio foram tão plausíveis que merecem ser ouvidas e repassadas. É claro que não há uma receita de bolo, que as práticas propostas por ele não são revolucionárias, mas são pequenas atitudes que podemos tomar para ter uma vida mais saudável sem prejudicar o nosso planeta.
Vamos as soluções práticas, então o que podemos fazer? As respostas são tão simples que nos fazem realmente pensar que sim, é possível ter uma alimentação saudável e sustentável. Segundo o Professor Armênio, pequenos cuidados do dia a dia já são suficientes para melhorarmos essa situação, como tentar dar preferência para o consumo de frutas e verduras da época, preferir alimentos orgânicos ou com menor quantidade insumos agrícolas e por que não começar uma horta em casa? Não é preciso muito espaço e podem ser bem simples, seria a produção de sua comida na sua própria casa, fantástico! Pensando um pouco no lado econômico, a escolha de produtos produzidos em sua região, também pode favorecer a economia local e beneficiar sua região como um todo.
Essas são apenas algumas das práticas que podemos adotar no nosso dia para ser possível ter uma boa alimentação de forma “ecologicamente correta”. Não é preciso nada muito drástico, apenas prestar um pouco mais de atenção nas suas atitudes, para benefício próprio e de toda a comunidade. O que temos a perder? Nada, só temos a ganhar uma vida melhor em um planeta melhor! Que tal tentar prestar atenção a próxima vez que for ao mercado, feira, varejão? Você vai ver que realmente faz a diferença!

Por Nathalia Brancalleão
e-mail para contato: na_brancalleao@hotmail.com


Referências bibliográficas:

Aula “Alimentação Saudável x Sustentável” ministrada pelo Prof. Dr. Carlos Armenio Khatounian do Departamento de Produção Vegetal na ESALQ/USP.

KHATOUNIAN, C. A.; Soares Jr, D. Abordagem sistêmica e pesquisa participativa na agricultura familiar: ferramentas para o desenvolvimento. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 26, p. 17-27, 2005.

SOS Mata Atlântica

No dia 19/03/15 'emprestamos' o blog Ciência Informativa para a fundação SOS Mata Atlântica por conta da semana da água!

A campanha terminou, mas a fundação ainda precisa da sua ajuda e atenção!

Acesse o link, veja outros colaboradores da campanha e aproveite para ajudar a fundação SOS Mata Altântica, para que ela possa dar continuidade aos projetos que buscam a conservação da floresta, juntamente com os mananciais e corpos da'água localizados nela!

segunda-feira, 16 de março de 2015

AIDS: da descoberta da doença à descoberta da origem

Em meados de 2002, quando eu cursava a sexta série do ensino fundamental, a minha professora de ciências mostrou para minha turma um filme que, até então, eu desconhecia. Este filme, hoje com mais de 20 anos, chama-se “Filadélfia” e foi um dos primeiros a tratar sobre a AIDS e outros temas como homofobia (você pode ver um trailer aqui). O que mais me marcou no enredo foi como a sociedade, representada na história por vários “estereótipos”, tinha medo da então pouco conhecida AIDS e, por isso, isolava os pacientes como se fosse uma forma de ajudá-los ou de entender melhor sobre a pandemia que começava. Opiniões à parte, esse é um filme muito comovente e que se você puder assista! Atualmente muita coisa mudou e evoluiu no tratamento da doença, e na forma como as pessoas lidam com os pacientes. No texto de hoje vamos entender um pouco sobre a história da AIDS e de sua descoberta, os avanços na busca por novas terapias e como, através de estudos genéticos, no ano passado os pesquisadores conseguiram traçar a genealogia do vírus HIV.
No período que foi de outubro de 1980 até maio de 1981 foram relatados em 3 diferentes hospitais de Los Angeles (EUA) cinco casos de homens, jovens, sem nenhuma relação aparente, com pneumonia causada por Pneumocystis carinii. Esse fungo vive inofensivamente nos pulmões porém, quando há uma debilitação no sistema imune, ele pode causar pneumonia. Esse foi o primeiro relato publicado conhecido do que depois foi chamada Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou AIDS, em inglês. Logo após esse primeiro relato, em dezembro de 1981 um grupo de pesquisadores norte-americanos também publicou um artigo relatando um número inesperado de casos de Sarcoma de Kaposi (um tipo de câncer de pele raro) na Califórnia e em Nova York. Os casos inesperados do Sarcoma de Kaposi e da pneumonia causada por P. carinii levaram as autoridades a criar uma força-tarefa em alerta para novos casos dessas doenças; e com o passar do tempo outros casos surgiram e em países diferentes. No início, as autoridades de saúde não sabiam como se referir a doença e então, após uma reunião no ano de 1982, foi sugerido o nome Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, visto que a doença enfraquecia o sistema imune. O acrônimo AIDS ou SIDA tornou-se conhecido com o tempo.
Em 1983, depois de aproximadamente dois anos do aparecimento dos primeiros casos da doença, dois grupos de estudo distintos – nos EUA e na França - conseguiram isolar e identificar das células brancas do sangue de pacientes o vírus causador da AIDS: HIV. O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) pertence ao grupo dos retrovírus, ou seja, vírus que contém RNA como material genético. Assim como todos os vírus, ele precisa de uma célula hospedeira para se reproduzir e, no caso do HIV, essa célula é um tipo de glóbulo branco especial chamado “T-helper”, que faz parte do sistema imunológico. O vírus reconhece essas células e fusiona-se a ela, através de pequenos “ganchinhos” que ele possui na sua superfície (veja na figura). Depois de fusionado, ele injeta seu conteúdo na célula, inclusive o RNA, que após sofrer modificações por enzimas específicas aloja-se no DNA da célula humana, fazendo com que o glóbulo branco então produza mais e mais cópias do vírus HIV. As células de defesa humana vão morrendo e perdendo a capacidade de defender o corpo e, por isso, as pessoas com AIDS têm o sistema imune debilitado.

Figura: esquema ilustrativo do vírus da AIDS. Glicoproteína: fica ancorada na superfície e permite o reconhecimento e a fusão aos glóbulos brancos; envelope e capsídeo: fazem parte da estrutura do vírus e ajudam a “proteger” o RNA (material genético). A transcriptase reversa é uma enzima que gera uma fita de DNA complementar à uma fita de RNA. Fonte: Taniguti, Lucas (2015): Esquema HIV. Figshare. http://dx.doi.org/10.6084/m9. figshare.1309469.

Um dos períodos críticos da infecção pelo HIV é o momento em que ocorre a fusão do vírus com a célula humana, como descrito no parágrafo anterior. Em outubro de 2014 cientistas conseguiram fusionar pequenas moléculas fluorescentes às proteínas da superfície externa do vírus HIV e assim observar, em tempo real, o que eles chamam “dança do HIV” - as mudanças conformacionais que vão ocorrendo na superfície do vírus que culminam na fusão deste com o glóbulo branco. Com essas informações os pesquisadores podem então desenvolver novas terapias que foquem em impedir a junção do HIV com as células humanas.

Também em 2014 um grupo de pesquisa conseguiu traçar a origem do vírus da AIDS utilizando análises genética e programas estatísticos. Usando amostras guardadas do vírus HIV (inclusive a considerada mais antiga) foi possível chegar ao “onde” e “quando”, provavelmente, originou-se a pandemia, criando uma “árvore genealógica” do vírus. Analisando as sequências os cientistas procuraram por “pegadas” das mutações que o HIV sofreu ao longo do tempo. Os cientistas acreditam que o vírus SIV (vírus da imunodeficiência dos símios – uma designação para um dos grupos de primatas) sofreu uma mutação, originando o vírus HIV. Essa mutação possibilitou a sua transmissão para os humanos quando, por exemplo, caçadores lidaram com carne contaminada de chipanzés.
Para os pesquisadores, a cidade de Kinshasa, hoje na República Democrática do Congo, foi o foco da epidemia, mas o que permitiu que o vírus se espalhasse foi um conjunto de fatores sociais e urbanos. Na década de 20 esta cidade estava em expansão e registros médicos da época mostram uma alta incidência de doenças sexualmente transmissíveis. Na cidade haviam muitos homens, o que causou também um aumento no mercado sexual, levando o vírus a se espalhar pois as pessoas tinham relações sexuais desprotegidas e com vários parceiros. Além disso, a falta de cuidado dos médicos com seringas e agulhas e as ferrovias que possibilitavam viagens por todo o país criaram condições perfeitas para o vírus se difundir de sua origem.
Desde então, a AIDS já matou mais 39 milhões de pessoas e, segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2013, 35 milhões eram portadoras do vírus. Com tudo isso podemos ver a importância das pesquisas que continuam avançando até hoje! Novas terapias e melhor compreensão da biologia da doença e do vírus levaram para os que tem a doença uma maior expectativa de vida, com mais saúde e conforto. É a ciência mais uma vez nos trazendo avanços! Mas vale ressaltar que ainda hoje esta é uma doença que permanece sem cura, portanto a prevenção continua sendo essencial!
Se você gostou do texto de hoje, abaixo estão as referências que usei e lá tem mais informações sobre o assunto. Qualquer dúvida ou sugestão são sempre bem-vindas!
Até a próxima!
Por Nathália de Moraes
nathalia.esalq.bio@gmail.com

Referências bibliográficas:
[1] Gottlieb et al. (1981). Pneumocystis pneumonia – Los Angeles. Morbidity and Mortality Weeklyreport. 30(21): 250-2. Disponível em: http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/lmrk077.htm
[2] Manual Merck. (2015). Pneumonia por Pneumocystis carinii. Acessado de http://www.manualmerck.net/?id=67&cn=751
[3] Brennan, R.O. & Durak, D. T. (1981). Gay compromise syndrome. The Lancet. 1338-1339. Disponível em: http://www.medicine.mcgill.ca/epidemiology/courses/EPIB591/Fall%202010/Class%204%20-%2010%20Sept/LancetGCS.pdf
[4] A name for the plague. (sem ano). Time. Disponível em: http://web.archive.org/web/20080307015307/http://www.time.com/time/80days/820727.html
[5] Was Robert Gallo robbed of the Nobel prize? (2008). Andy Coghlan. New Scientist. Disponível em: http://www.newscientist.com/article/dn14881-was-robert-gallo-robbed-of-the-nobel-prize.html#.VNo1TfnF-Ck
[6] Biologia do HIV – o vírus HIV. (sem data). BBC Brasil. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/1357_biologia_aids/page2.shtml
[7] HIV structure and life cycle. (sem data). Avert. Disponível em: http://www.avert.org/hiv-structure-and-life-cycle.htm
[8] Researchers Watch, in Real Time, the Dynamic Motion of HIV as it Readies an Attack. (2014). Weill Cornell Medical College. Disponível em: http://weill.cornell.edu/news/pr/2014/10/researchers-watch-in-real-time-the-dynamic-motion-of-hiv-as-it-readies-an-attack-scott-blanchard.html
[9] Gallagher, J. (2014). Aids: origin of pandemic ‘was 1920s Kinshasa’. BBC. Disponível em: http://www.bbc.com/news/health-29442642
[10] Where did HIV come from? (sem data). The AIDS Institute. Disponível em: http://www.theaidsinstitute.org/node/259
[11] The early spread and epidemic ignition of HIV-1 in human populations. (2014). Faria et al. Science. 346 (6205): 56-60. Disponível em: http://www.sciencemag.org/content/346/6205/56
[12] Global Summary of the AIDS epidemic. (2013). WHO. Disponível em: http://www.who.int/hiv/data/epi_core_dec2014.png?ua=1
[13] Global Statistics. (2014). AIDS Gov. Disponível em: https://www.aids.gov/hiv-aids-basics/hiv-aids-101/global-statistics/

quinta-feira, 12 de março de 2015

As novas descobertas da ciência e o Câncer de Pele

     O número de pessoas com câncer no mundo cresceu 20% nos últimos 10 anos. Só aqui no Brasil, estima-se que foram mais de 570 mil novos casos entre 2014 e 2015. Os cânceres de pele do tipo não melanoma lideram a lista de novos casos, onde estima-se o aparecimento de 182 mil novos casos, acometendo homens e mulheres.

   Os principais tipos de câncer de pele são: Melanoma, Carcinoma basocelular e Carcinoma espinocelular (ou epidermoide). Os carcinomas são conhecidos como câncer de pele não melanoma, que são os mais frequentes tipos de câncer, sendo o melanoma o mais raro. 

     Nossa pele é o maior órgão, em extensão, do corpo humano. Ela é formada por diferentes camadas de células: Epiderme, Derme e Hipoderme. Estas camadas ficam expostas de formas diferentes aos raios solares, como pode ser visto na figura ao lado. 

   O câncer surge pelo crescimento e desenvolvimento anormal e descontrolado das células que compõem nossa pele, podendo desenvolver-se em qualquer uma das camadas que a formam. A radiação ultravioleta é considerada a principal responsável pelas alterações no processo celular.

    Então, como medida preventiva, utilizamos os protetores solares contra os raios ultravioletas, certo? Mas um estudo publicado dia 20 de fevereiro na Science (http://www.sciencemag.org/content/347/6224/842) revelou que a ação dos raios ultravioletas pode persistir por mais de 3 horas após à exposição ao sol. Desta forma, os cremes protetores que utilizamos nos protegem parcialmente dos efeitos destes raios.

   Mesmo depois da exposição ao sol, o processo de degradação do DNA pode continuar, pois a melanina (proteína que dá cor a nossa pela) ao ficar exposta a luz solar pode fragmentar-se e formar um composto químico muito reativo (uma cetona triplete). Este composto pode transferir energia ao DNA das células, induzindo a formação de dímeros de timina e citosina (compostos químicos com duas unidades formados por timina e citosina - componentes básicos do DNA) que são os responsáveis pela destruição parcial do DNA das células, fato que facilita o desenvolvimento anormal das células. Este fenômeno é chamado de fotoquímica no escuro, que tem a capacidade de ampliar as reações lesivas ao DNA iniciadas pela radiação ultravioleta.

    O estudo revelou a importância do desenvolvimento de novas formulações que sejam capazes de impedir a formação desses compostos lesivos ao DNA, mesmo após a exposição ao sol. Uma possibilidade apresentada pelo estudo é o uso de acido sórbico, um aditivo de alimentos, que ainda esta sendo testado e avaliado quanto a sua eficácia, dosagem e possibilidade de uso. Acredita-se que este aditivo tenha a capacidade de evitar a formação dos dímeros, responsáveis pela destruição do DNA.

   Temos que ficar ainda mais atentos com os cuidados à exposição ao sol. Por enquanto, podemos contar apenas com os protetores solares comuns e não podemos nos esquecer deles! Apesar da incidência elevada, o câncer da pele não melanoma tem baixa letalidade e pode ser curado com facilidade se detectado precocemente. Por isso, examine regularmente sua pele e procure imediatamente um dermatologista caso perceba pintas ou sinais suspeitos. Para maiores informações sobre a doença acesse: http://www.sbd.org.br/acoes/programa-nacional-de-combate-ao-cancer-da-pele/ 



                                                                                                                          Jaqueline R. de Almeida
                                                                  Fale com a pesquisadora: jaqueline.raquel.almeida@usp.br



quinta-feira, 5 de março de 2015

A comunicação na nossa sociedade: a importância desse fenômeno

     Como vimos no meu último texto os animais podem não ser capazes de formar palavras na linguagem oral como conhecemos, mas é fato que eles se comunicam, como vimos no caso da vocalização dos corvos e com a dança das abelhas. A comunicação portanto é importante para os animais com um papel determinante no comportamento e na sobrevivência deles.
       Apesar de muitas pessoas pensarem que a comunicação em nossa sociedade humana é restrita ao que a tecnologia nos proporciona (e hoje vemos isso com o crescimento do uso de emails, mensagens, SMS e videochamadas), esse fenômeno na verdade é muito mais complexo e amplo em vários aspectos. Nós humanos nos comunicamos por sinais, por olhares, pela postura do corpo, por ferormônios, pela música e pela dança e muito importante: pela linguagem oral, ou seja, pela habilidade de colocar em palavras faladas os nossos pensamentos. A linguagem oral é indiscutivelmente uma das características mais importantes que nos possibilita estender a nossa racionalidade aos outros indivíduos e isso traz muitas vantagens para nós, que vivemos em sociedade.
Mas será que nossos parentes próximos, os neandertais, também falavam? Como a linguagem pode ter surgido nos humanos modernos? Que vantagens ela nos traz? No texto de hoje vamos responder essas e outras questões bem interessantes!
Os neandertais (Homo neanderthalensis) sempre nos fascinaram e apesar de um pouco negligenciados após terem sido descobertos, pois muitas pesquisas propunham que eles eram nada mais do que humanos débeis, hoje se sabe que eles teriam a capacidade, ao menos anatômica, de falar também. 
As primeiras pesquisas feitas (por volta da década de 70) indicavam que faltava aos neandertais algumas partes anatômicas importantes para que a fala como conhecemos pudesse ser produzida; fonemas muito usados no nosso repertório (como [u], [i] e [a]) seriam impossíveis de serem produzidos pelos neandertais, semelhante ao que ocorre com um bebê humano, que não fala quando nasce, pois não possui todas as habilidades necessárias desenvolvidas. Porém, tais evidências podem ser contestadas pois são feitas com base em comparações anatômicas de esqueletos que muitas vezes não estavam bem preservados, o que coloca em dúvida esses resultados.
Já na década de 80, com a descoberta de novos esqueletos, foi visto que muitos ossos importantes para a habilidade da fala (por exemplo, o osso hióide que pode ser visto nessa imagem) estavam presentes e posicionados de forma semelhante nos neandertais e nos humanos modernos, o que pode indicar que (anatomicamente falando) não existiam limitações que os impedisse de falar. Os estudos mais recentes sobre o modo de vida dos neandertais mostram que eles teriam uma forma de comunicação um pouco mais desenvolvida que os “grunhidos” vocalizados por alguns hominídeos mais ancestrais (como o Homo heidelbergensis), mas não uma linguagem oral complexa como a nossa. Hoje em dia, pesquisas focam ainda em entender se os neandertais teriam o controle neural suficiente para ter a mesma habilidade vocal que nós temos ou se as vocalizações que eles produziam poderiam ser somente uma imitação de que eles ouviam dos humanos modernos, com os quais conviveram por um período de tempo.
Até hoje os cientistas não têm um consenso sobre se/qual linguagem os neandertais tinham; com os estudos arqueológicos e até com base em análises mais modernas do DNA se propõe que várias mutações foram se acumulando gradativamente ao longo da evolução dos hominídeos, possibilitaram o desenvolvimento da fala e se fixaram pelo grande avanço adaptativo que nos proporcionaram. 
Tanto a habilidade da fala quanto os outros aspectos culturais (não tão desenvolvidos nos outros hominídeos (veja no box abaixo) que surgiram antes da nossa espécie) são únicos e foram muito importantes para a nossa habilidade de comunicação e isso nos possibilitou ter sucesso e vantagem para sobreviver.
Hominídeos. Homo sapiens, Homo neanderthalensis, hominídeos...muitos nomes complexos, não é? A evolução humana é bem interessante e com certeza renderia um texto somente sobre esse assunto, mas nesse site do Museu de História Natural Smithsonian você pode conferir uma árvore que mostra todos nossos "parentes" e com explicações de cada espécie. Ficou curioso? Acesse:http://humanorigins.si.edu/evidence/human-family-tree
As habilidades cognitivas – e portanto também de comunicação – foram essenciais para que os humanos modernos sobrevivessem ao processo de seleção natural, se espalhassem pelo mundo e ocupassem os mais diversos ambientes. Para os cientistas, a habilidade de se comunicar com os outros indivíduos pelas pinturas (como a que vemos na figura) possibilitou ao homem pré-histórico se comunicar sobre fontes de alimentos e predadores, fazendo com que os homens pudessem viver em sociedade, pois, dessa forma, os acontecimentos eram comunicados aos outros indivíduos do grupo.
Exemplo de pintura rupestre encontrada no Brasil. Fonte da imagem: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pinturas_Rupestres_-_Vale_do_Catimbau_-_Pernambuco_-_Brasil.jpg

    A fala também nos proporcionou a mesma vantagem, de comunicar os acontecimentos, perigos e presas, de forma eficiente. Assim, a comunicação nas suas diversas formas foi muito importante para que nós sobrevivêssemos ao mundo e às mais diversas adversidades.
A tecnologia, tal como emails e mensagens de celular, é na verdade uma extensão da comunicação que sempre fizemos, que nos proporciona viver como uma “aldeia global”, de forma com que possamos nos comunicar com qualquer pessoa em praticamente todo lugar do mundo. De fato, a tecnologia modificou toda nossa forma de comunicação, mas como vimos, o fenômeno (no seu sentido mais estrito) já existia desde nossos ancestrais. Mas como será que a tecnologia nos proporcionou isso? Será que ela só nos traz vantagens? O que podemos esperar da tecnologia e da comunicação no futuro? Ficou interessando em saber? No próximo texto vamos entender essas questões!
Ficou curioso com o assunto do texto de hoje? Nos links abaixo tem mais informação e curiosidades sobre esse vasto campo do conhecimento humano!
Dúvidas e sugestões são bem-vindas! Até a próxima!


Nathália de Moraes
Fale com a pesquisadora: nathalia.esalq.bio@gmail.com

Referências bibliográficas
[1] Australian Museum. (sem data). Homo sapiens: modern humans. Acessado de http://australianmuseum.net.au/Homo-sapiens-modern-humans/ em dezembro de 2014.
[2] Discovery News. (2012). Humans vs Neanderthals: how did we win? Acessado de http://news.discovery.com/human/evolution/humans-vs-neanderthals.htm em dezembro de 2014.
[3]Demeliou. (2013). Did Homo neanderthalensis speak? Acessado de https://demeliou.wordpress.com/2013/02/03/did-homo-neanderthalensis-speak/ em dezembro de 2014.
[4] Milo, R.G. & Quiatt, D. (1993). Gluttogenesis and anatomically modern Homo sapiens. Current Anthropology, 34 (5): 569-598. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2744275
[5] Sherwod, C.C.; Subiaul, F.; Zawidzki, T.W. (2008). A natural history of the human mind: tracing evolutionary changes in brain and cognition. Journal of Anatomy, 212 (4): 426-454. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2409100/pdf/joa0212-0426.pdf
[6] Lieberman, P. & Crelin, E.S. (1971). On the speech of neanderthal man. Linguistic Inquiry, 11(2): 202-222.  Disponível em: http://www.haskins.yale.edu/Reprints/HL0104.pdf
[7] Max-Planck-Gesellschaft. (2013). Did Neandertals have language? Disponível em: http://www.mpg.de/7448453/Neandertals-languag
[8] Bryant, C.W. (sem data). How did language evolve? Disponível em: http://science.howstuffworks.com/life/evolution/language-evolve.htm