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quinta-feira, 21 de maio de 2015

De onde viemos e como chegamos aqui?

   Você já se perguntou de onde viemos? Ou como os humanos colonizaram cada continente? Ou como se formaram as diferentes etnias? A história evolutiva humana é objeto de discussão e pesquisa há milhares de anos. Filósofos da Grécia antiga já se questionavam sobre nossa origem. Pesquisadores das mais diversas áreas de estudo (biologia, geografia, química, antropologia, linguística, etc…) buscam entender como, onde e quando nossa espécie surgiu e como nos espalhamos pelo mundo. O desenvolvimento de tecnologias que permitem ler o genoma rapidamente a um custo razoável somado às pesquisas arqueológicas, antropológicas e sobre mecanismos evolutivos podem nos ajudar a responder a perguntas como essas.

Fonte: National Geographic
   Um projeto iniciado em 2005, conhecido como “The Geographic Project”, tem o objetivo de entender onde os humanos se originaram e como se espalharam pelo mundo. O projeto reúne um grande grupo de pesquisadores de diversos países (Veja mais aqui) que usam técnicas modernas de análise genética para mapear as diferenças entre as sequências de DNA de populações indígenas de cada região do mundo. Além disso, qualquer pessoa pode ser um voluntário, ter seu DNA sequenciado e participar do projeto, basta comprar o kit de coleta [1].

   O projeto tem gerado resultados que nos contam um pouco da nossa história. Estudos anteriores genéticos e arqueológicos mostram evidências de que o Oriente Médio e a península Arábica tenham sido os primeiros locais ocupados pelos humanos fora da África, mas pouco se sabia a respeito de como essas populações têm se organizado nos últimos milênios. Um estudo do DNA de populações nativas da área de Levante, no Oriente Médio, mostrou que as pessoas podem ser organizadas em três grupos, que coincidem com as principais filiações religiosas (cristãos, muçulmanos e drusos). Por outro lado, não é possível agrupar essas pessoas pela sua origem geográfica, o que mostra um importante componente cultural para formação das famílias na região [3].

   Um outro estudo, realizado com grupos nativos do sudeste asiático, indicou que as populações se instalaram na região há aproximadamente 19 mil anos. Na época das migrações, o clima na região era mais frio do que atualmente e o relevo formava grandes barreiras, o que permitia que apenas pequenos grupos conseguissem migrar. A conclusão do estudo foi que o isolamento e o tamanho restrito dos grupos de pessoas foram os responsáveis pela diversificação étnica na região [3].

   Na América do Sul, pesquisadores compararam os Uros (populações nativas dos Andes, encontradas na Bolívia e no Peru) com outras populações dos andinas (Aymara and Quechua). Antropólogos e linguistas já consideraram os Uros como um grupo étnico separado dos Aymara e Quechua, por apresentarem diferentes tradições, hábitos e línguas. Resultados dos estudos genéticos confirmaram que os Uros têm uma origem diferente das demais populações andinas e os grupos foram formados tanto por isolamento geográfico como por diferenças culturais [4].

   Esses estudos mostram um pouco da complexidade da história das migrações de grupos de humanos pelo planeta, mas ainda há muito o que se estudar sobre esse assunto, por isso o projeto ainda está em andamento. Os pesquisadores continuam a buscar outros grupos nativos e voluntários continuam a mandar suas amostras de DNA. Você pode encontrar mais informações sobre o projeto, material didático e novas descobertas na página: www.genographic.nationalgeographic.com
  

por Patricia S. Sujii
 sujiips@gmail.com


Referências


Projeto Genographic: https://genographic.nationalgeographic.com/

[1] Behar, D. M., Rosset, S., Blue-Smith, J., Balanovsky, O., Tzur, S., Comas, D., ... & Genographic Consortium. (2007). The Genographic Project public participation mitochondrial DNA database. PLoS Genetics, 3(6), e104.

[2] Haber, M., Gauguier, D., Youhanna, S., Patterson, N., Moorjani, P., Botigué, L. R., ... & Zalloua, P. A. (2013). Genome-wide diversity in the levant reveals recent structuring by culture. PLoS genetics, 9(2), e1003316.

[3] Cai, X., Qin, Z., Wen, B., Xu, S., Wang, Y., Lu, Y., ... & Genographic Consortium. (2011). Human migration through bottlenecks from Southeast Asia into East Asia during Last Glacial Maximum revealed by Y chromosomes. PLoS One, 6(8), e24282.

[4] Sandoval, J. R., Lacerda, D. R., Jota, M. S., Salazar-Granara, A., Vieira, P. P. R., Acosta, O., ... & Genographic Project Consortium. (2013). The genetic history of indigenous populations of the Peruvian and Bolivian Altiplano: the legacy of the Uros. PloS one, 8(9), e73006.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Os microRNAs

Figura 1. Estrutura secundária de um precursor de microRNA.
Fonte: http://www.megacurioso.com.br/genetica/33191-cientistas-encontram-genes-que-diferenciam-os-humanos-dos-primatas.htm

O DNA (ácido desoxirribonucleico) é o material genético dos seres vivos. Ele é composto por uma fita dupla de moléculas que contem as informações necessárias para regular o funcionamento e desenvolvimento de nosso organismo. É esse material genético que é passado para os filhos e fazem com que características dos pais sejam herdadas. O seu papel no organismo é de armazenar as informações necessárias para a síntese de RNAs (ácidos ribonucleicos). Os RNAs, por sua vez, são compostos por uma fita simples de moléculas, diferindo do DNA. Um tipo de RNA, o RNA mensageiro (RNAm) é o responsável por carregar as informações do DNA para tradução em proteínas no nosso organismo.
Os microRNAs (miRNAs) são uma classe de pequenos RNAs, presentes em plantas e animais, que não codificam proteínas. Eles são formados a partir de uma longa sequência precursora de RNA capaz de se dobrar e formar uma estrutura de grampo (Figura 1). Produzidos a partir de sequências específicas do DNA, os precursores de miRNAs são processadas por diversas proteínas até formar uma pequena sequência de RNA fita simples possuindo, aproximadamente, 18-24 nucleotídeos de comprimento. 
Essas pequenas sequências de RNAs que não sintetizam uma proteína vêm sendo amplamente estudadas para que se entenda seu papel dentro do organismo. Dessa forma, revela-se a grande importância destas pequenas moléculas em muitos processos biológicos, por meio da regulação da expressão de genes importantes no desenvolvimento e funcionamento do organismo.
A sua atuação na célula ocorre através da ligação do miRNA ao RNAm alvo específico, impedindo que o RNAm consiga produzir uma proteína, o que impede que essa proteína realize sua função (Figura 2). Essa inibição dá-se por meio da complementariedade de bases entre as sequências do miRNA e de seu RNAm alvo, podendo haver a destruição desse RNAm ou apenas bloqueio de sua tradução.

Figura 2. Mecanismo de regulação da tradução realizada pelos miRNAs.
Fonte: Adaptado de https://www.fireflybio.com/introduction_to_microRNA

Em plantas e em animais há diversos miRNAs que possuem alvos bastante importantes no organismo. Isso faz com que essas pequenas moléculas consigam fazer uma regulação fina e específica de diversos processos biológicos dentro das células. Algumas das funções importantes que os miRNAs apresentam no organismo de plantas e animais estão relacionados a: diferenciação e crescimento de células, apoptose, florescimento, fertilidade, defesa contra patógenos, coordenação da homeostase e respostas ao estresse. Diante disso, pode-se observar a grande importância destas pequenas sequências de RNA na regulação e funcionamento do organismo de plantas e animais. 

Onde mais essas pequenas moléculas podem atuar? Será que podemos utilizá-las como terapias medicamentosas? Talvez produzir plantas transgênicas que são resistentes a doenças por meio dos miRNAs que elas produzem? São muitas ideias que podem ser geradas e trabalhadas para que se possa entender melhor o funcionamento de moléculas ao nível celular em nosso organismo, assim como utilizar a biotecnologia para produção de novos produtos e tecnologias que sejam úteis para nós. 


Por:
Thaís Cunha de Sousa Cardoso – thaiscunhasc@gmail.com

Matheus de Souza Gomes - souzagomes.matheus@gmail.com

Referências Bibliográficas
Bartel, D. P. (2004). MicroRNAs : Genomics , Biogenesis , Mechanism , and Function Genomics : The miRNA Genes. Cell, 116, 281–297.
Carthew, R. W., & Sontheimer, E. J. (2009). Origins and Mechanisms of miRNAs and siRNAs. Cell, 136(4), 642–655. doi:10.1016/j.cell.2009.01.035
Chen, X. (2008). MicroRNA Metabolism in Plants. Current Topics in Microbiology and Immunology, 320, 117–136.
Doench, J. G., Petersen, C. P., & Sharp, P. a. (2003). siRNAs can function as miRNAs. Genes & Development, 17(4), 438–442. doi:10.1101/gad.1064703
Filho, J. C. M. R., & Kimura, E. T. (2006). MicroRNAs: Nova Classe de Reguladores Gênicos Envolvidos na Função Endócrina e Câncer. Arq. Bras. Endocrinol Metab., 50(1).
Kidner, C. a, & Martienssen, R. a. (2005). The developmental role of microRNA in plants. Current Opinion in Plant Biology, 8(1), 38–44. doi:10.1016/j.pbi.2004.11.008
Krützfeldt, J., Rajewsky, N., Braich, R., Rajeev, K. G., Tuschl, T., Manoharan, M., & Stoffel, M. (2005). Silencing of microRNAs in vivo with “antagomirs”. Nature, 438(7068), 685–9. doi:10.1038/nature04303
Maria John Scheid, N., Ferrari, N., & Delizoicov, D. (2005). A contrução coletiva do conhecimento científico sobre a estrutura do DNA. Ciência E Educação, 11(2), 223–233.
Wahid, F., Shehzad, A., Khan, T., & Kim, Y. Y. (2010). MicroRNAs: synthesis, mechanism, function, and recent clinical trials. Biochimica et Biophysica Acta, 1803(11), 1231–1243. doi:10.1016/j.bbamcr.2010.06.013
Zeng, Y. (2006). Principles of micro-RNA production and maturation. Oncogene, 25(46), 6156–6162. doi:10.1038/sj.onc.1209908


quinta-feira, 23 de abril de 2015

A origem mutante da tolerância à lactose

Você já deve ter ouvido falar dos X-Men. Eles são personagens de histórias em quadrinhos que têm super-poderes graças a mutações no DNA. Você acha que existem mutantes entre nós ou isso coisa de ficção?


Nessa matéria, vamos falar sobre a história evolutiva de uma mutação que surgiu em humanos há muitos anos e que foi essencial para a apreciação de maravilhas como a enorme variedade de queijos, o doce de leite e o chocolate.

É comum conhecermos pessoas que dizem não poder tomar leite ou iogurte, que são intolerantes à lactose, mas quando eram crianças não tinham esse problema. Isso é normal? Na verdade, esse é o cenário mais comum quando se considera os mamíferos como um todo: tomar leite materno logo ao nascer e mudar para uma dieta sem leite conforme crescem. Nós, humanos, somos exceções que conseguimos aproveitar o leite até na fase adulta. Vamos ver como isso aconteceu.

O leite e seus derivados contêm um tipo de açúcar chamado lactose e a lactase é a enzima responsável por digerir esse açúcar. Normalmente, as pessoas, assim como todos os outros mamíferos, conseguem digerir bem e obter energia da lactose desde que nascem até o fim da fase de amamentação. Apesar da maioria dos mamíferos diminuir e até encerrar a produção dessa enzima lactase quando deixam de depender do leite materno, atualmente cerca de 35% dos humanos adultos ainda são capazes de digerir lactose. Saiba mais sobre essa pesquisa aqui [1].

Ao longo da história evolutiva surgiram mutações em humanos que fizeram com que a lactase fosse produzida por mais tempo e, em alguns casos, até o final da vida. Essa mutação parece estar associada à prática do pastoreio, mas existem duas hipóteses que explicam como se dá essa associação. A primeira hipótese diz que a mutação surgiu e se espalhou em um grupo de pessoas por acaso, mas por terem a mutação, com o tempo começaram a consumir mais leite. A outra hipótese diz que a população de pastores já consumia leite e como a mutação conferia uma vantagem, essa característica se espalhou, assim como acontece em diversos casos de seleção natural. Estudos arqueológicos apoiam a segunda hipótese. Arqueólogos estudaram objetos de cerâmica com resíduos orgânicos que indicam o uso de leite há cerca de 8,5 mil anos no oeste da Turquia. Neste local, ainda hoje a mutação que faz a lactase ser produzida até a idade adulta é rara, o que indica que animais domésticos eram ordenhados mesmo que a mutação não estivesse presente. Veja mais aqui [2]. Existem evidências de que outras mutações com o mesmo resultado (produção de lactase em adultos) surgiram independentemente em outros continentes, como a África, por exemplo. Um estudo do DNA de pessoas da Tanzânia, do Kênia e do Sudão mostrou que três mutações diferentes resultaram no aumento da frequência da tolerância a lactose nessas populações nos últimos 7 mil anos [3].

Para maioria das pessoas é difícil imaginar a seleção natural atuando em humanos, mas há milhares de anos, quando não existiam supermercados, geladeira e suplementos alimentares, ter uma fonte de calorias constante era uma grande vantagem evolutiva. Por exemplo, quando ocorriam secas e a produção de grão era baixa ou entre os períodos de colheita, muitas pessoas poderiam não ter alimento suficiente para sobreviver ou para sustentar mais filhos. Se houvesse uma fonte de energia, como o leite, a falta de alimentos poderia ser um problema menor. Além disso, o leite também é uma fonte de cálcio muito importante, especialmente para pessoas que vivem em locais com pouca incidência de sol, o que acontece no norte da Europa, onde a mutação ocorre com uma frequência muito alta (89 a 96%).

Ainda há muito o que estudar para compreendermos os processos evolutivos que nos trouxeram até o que somos hoje. A genética e a arqueologia são duas áreas do conhecimento que podem nos levar a descobrir nossa história e existem ainda muitas outras. Leia aqui mais detalhes sobre esses estudos. [4]

Então, você é um mutante?

Existem outras mutações importantes que surgiram relativamente há pouco tempo nos humanos, como a que torna pessoas imunes ao vírus da AIDS. Vamos falar delas em outras publicações! Acompanhe!


Referências
[1] Ingram, C. J., Mulcare, C. A., Itan, Y., Thomas, M. G., & Swallow, D. M. (2009). Lactose digestion and the evolutionary genetics of lactase persistence. Human genetics, 124(6), 579-591.

[2] Evershed, R. P., Payne, S., Sherratt, A. G., Copley, M. S., Coolidge, J., Urem-Kotsu, D., ... & Burton, M. M. (2008). Earliest date for milk use in the Near East and southeastern Europe linked to cattle herding. Nature, 455(7212), 528-531.


[3] Tishkoff, S. A., Reed, F. A., Ranciaro, A., Voight, B. F., Babbitt, C. C., Silverman, J. S., ... & Deloukas, P. (2007). Convergent adaptation of human lactase persistence in Africa and Europe. Nature genetics, 39(1), 31-40.

[4] Gerbault, P., Liebert, A., Itan, Y., Powell, A., Currat, M., Burger, J., ... & Thomas, M. G. (2011). Evolution of lactase persistence: an example of human niche construction. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 366(1566), 863-877.
http://rstb.royalsocietypublishing.org/content/366/1566/863.full

[5] http://news.sciencemag.org/archaeology/2015/04/how-europeans-evolved-white-skin


por Patricia Sanae Sujii
sujiips@gmail.com

quinta-feira, 26 de março de 2015

Ciência Informativa discute: Mosquitos Transgênicos

      A ideia de termos animais geneticamente modificados sendo liberados nos nossos quintais nos faz pensar em filmes de ficção científica, mas esse tipo de cenário está cada vez mais próximo de se tornar realidade. A partir de abril, mosquitos Aedes aegypti transgênicos devem ser introduzidos no bairro Cecap de Piracicaba, no interior de São Paulo. O Ministério Publico Estadual recomendou a suspensão do projeto, acatando a representação do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de que o Aedes transgênico não tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas a intenção da prefeitura é que o impasse seja resolvido até a data da soltura. 

fonte: Wikipedia Commons
     A utilização de transgênico é um assunto que gera muita polêmica, mas você sabe o que são transgênicos? Quais os ricos e benefícios envolvidos na utilização dos mesmos? Como diz o antigo provérbio, “conhecimento é poder” então, antes de ter uma opinião radical contra ou a favor dos transgênicos, acompanhe a matéria!
      A dengue é uma doença causada por um vírus que é transmitido pela fêmea do mosquito Aedes aegypti. Várias pesquisas têm sido realizadas para tentar encontrar uma vacina contra o vírus e, em paralelo, para tentar diminuir o número de mosquitos. Até agora, nenhuma vacina eficaz foi encontrada e, apesar dos esforços e avanços na contenção da proliferação dos mosquitos, o número de casos de dengue tem crescido rapidamente no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, em 1990, foram registrados pouco mais de 40 mil casos, enquanto em 2013 esse número subiu para quase 1 milhão e meio (para ver o números para cada estado e região, clique aqui [1].

     Para tentar combater o problema, um grupo de pesquisadores da empresa Oxitec (Inglaterra) desenvolveu uma linhagem de mosquitos machos "estéreis" usando biotecnologia. Os machos são capazes de copular com as fêmeas assim como os machos “normais” [2]. A diferença é que a prole dos machos transgênicos não se desenvolve normalmente e não passam da fase de larva. Assim, em pouco tempo a população de mosquitos diminui drasticamente [3]. Para entender como esse gene funciona e como é possível obter machos transgênicos adultos, veja o box.

     Interferir no genoma de um organismo tem o potencial de trazer consequências indesejadas. Então, para entender melhor quais os potenciais riscos de liberar mosquitos transgênicos, pesquisas têm sido feitas e reuniões têm sido organizadas desde 1991 entre pesquisadores, agências reguladoras, membros do comitê de biossegurança. A partir dessas reuniões, vários riscos potenciais foram identificados. A maioria dos riscos são insignificantes, mas alguns podem ser um problema. Abaixo estão listados alguns dos riscos. Para saber mais sobre os demais riscos, veja os artigos originais: [4, 5].

1. Aumento na transmissão da dengue: risco baixo
     Os grupos de discussão avaliaram a possibilidade dos machos começarem a picar, mas eles não possuem estrutura bucal, nem do trato digestivo nem são capazes de produzir os anti-coagulantes necessários.
    Também existe a possibilidade das fêmeas se tornarem mais agressivas ou aumentarem o número de picadas, aumentando o potencial de transmissão da dengue. Esse tipo de comportamento ainda não foi observado em laboratório, mesmo após 100 gerações.
    Como apenas as fêmeas são capazes de nos picar e apenas os machos são liberados nas áreas de infestação, o aumento inicial do número de mosquitos nas áreas onde são liberados não deve causar aumento no número de indivíduos transmissores.

2. Aumento na resistência a inseticidas: risco baixo
     O gene inserido nos machos transgênicos tem como objetivo diminuir a sobrevivência das larvas, então provavelmente eles seriam tão sucetíveis a inseticidas quanto os mosquitos selvagens. Entretanto, mais pesquisas precisam ser feitas para determinar com mais precisão a suscetibilidade a inseticidas.

3. Efeitos sobre a cadeia alimentar na natureza: risco baixo
     Como o Aedes aegypti não é uma espécie nativa do Brasil, a redução da sua população não deve causar problemas para o equilíbrio do ecossistema.

4. Aumento do número de outras espécies de mosquitos: risco médio
     É possível que as populações de outras espécies de mosquito como Aedes albopictus (também transmissor da dengue) aumente pela diminuição da competição.

5. Contaminação do solo e da água: risco baixo
     As proteínas produzidas pelo gene letal são digeridas tanto por mamíferos como por outros insetos, mas é necessário realizar estudos do potencial de contaminação do solo e da água.

6. Presença de tetraciclina no ambiente: risco baixo
    A eficácia do gene letal pode ser reduzida se houver tetraciclina no ambiente (veja o motivo no box).

7. Instabilidade do gene introduzido: risco insignificante
     É possível que o gene inserido não funcione corretamente e falhe em inviabilizar o desenvolvimento das larvas. Os estudos mostraram que o gene é estável por pelo menos 50 gerações. Como as larvas com o gene inserido morrem antes de se tornarem adultos, em teoria esse gene só é passado para uma geração.

8. Transferência do gene letal para os humanos: risco insignificante
     Existe uma remota possibilidade do gene letal ser transferido para bactérias que vivem dentro do mosquito, mas não há evidências de transferência para humanos, porque os mecanismos usados para inserir o gene nos mosquitos é desativado.

9. Potencial de transmissão do gene letal para outras espécies: risco insignificante
     O cruzamento do mosquito da dengue com outras espécies é muito rara, porque os órgãos genitais de diferentes espécies são incompatíveis. Nos raros casos de cruzamento, os híbridos formados não se desenvolvem.

10. Machos transgênicos poderiam se auto-replicar: risco insignificante
     Apesar de alguns animais serem capazes de se auto-replicar, tanto por clonagem, brotamento ou outros mecanismos, nunca foi observado nenhum desses comportamentos em insetos.

      Então, com tantos riscos, por que os mosquitos transgênicos já estão sendo liberados? De acordo com pesquisas realizadas após introduções experimentais, os benefícios para a população obtidos com esse método são muito maiores que os potenciais riscos. Veja mais detalhes aqui [6]
1. Redução da necessidade do uso de inseticidas
     Como as larvas com o gene letal morrem, o número de mosquitos adultos deve diminuir, diminuindo a necessidade de inseticidas.

2. Diminuição da ocorrência de casos de dengue
     Se o número de insetos diminui drasticamente, o vírus que causa a dengue não deve ser mais espalhado tão facilmente.

3. Diminuição dos custos
     Mesmo que o custo de produção de mosquitos transgênicos sejam altos, eles ainda são muito menores do que o custo do tratamento das pessoas com dengue. Então, o investimento total seria menor.

     Como vocês podem ver, ainda existem questões a serem melhor estudadas e existem potenciais riscos associados aos transgênicos. Por outro lado, também existem potenciais benefícios principalmente para saúde pública. O assunto ainda está longe de ser consenso e certamente muito ainda precisa ser estudado e debatido. O mais importante é conhecer os fatos para poder dar os devidos pesos aos riscos e benefícios dessas novas tecnologias.


Box. Como são feitos os mosquitos transgênicos?
O gene que causa a morte das larvas do mosquito (gene letal) é inserido nos ovos de um mosquito "normal" (selvagem). Esse gene se liga ao DNA presente nas células do embrião usando técnicas de engenharia genética [7]. Após o desenvolvimento do embrião, o gene produz uma molécula (proteína) que interfere na atuação de outros genes essenciais para o funcionamento normal das células, levando à morte da larva.

Então, como os machos transgênicos chegam à fase adulta para serem liberados nas cidades?
O gene letal pode ser desativado por um antibiótico chamado tetraciclina, que funciona como um antídoto. Então, se os cientistas colocam esse antídoto na água onde as larvas se desenvolvem, o gene letal é desativado e as larvas transgênicas podem se desenvolver normalmente.

Como os cientistas sabem se o gene letal foi realmente inserido no DNA do mosquito?
Os cientistas inserem um gene que produz uma fluorescência verde juntamente com o gene letal. Então, as larvas transgênicas brilham, quando vistas usando um microscópio especial.

Referências
[1] http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/31/Dengue-classica-at---2013.pdf
[2] Massonnet-Bruneel, B., Corre-Catelin, N., Lacroix, R., Lees, R. S., Hoang, K. P., Nimmo, D., ... & Reiter, P. (2013). Fitness of transgenic mosquito Aedes aegypti males carrying a dominant lethal genetic system. PloS one, 8(5), e62711.
[3] Phuc, H. K., Andreasen, M. H., Burton, R. S., Vass, C., Epton, M. J., Pape, G., ... & Alphey, L. (2007). Late-acting dominant lethal genetic systems and mosquito control. BMC biology, 5(1), 11.

[4] Beech, C. J., Nagaraju, J., Vasan, S. S., Rose, R. I., Othman, R. Y., Pillai, V., & Saraswathy, T. S. (2009). Risk analysis of a hypothetical open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strain to combat dengue. Asia Pacific Journal of Molecular Biology and Biotechnology, 17(3), 99-111.
[5] Patil, P., Alam, M., Ghimire, P., Lacroix, R., Kusumawathie, P., Chowdhury, R., ... & Aung, M. (2012). Discussion on the proposed hypothetical risks in relation to open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strains to combat dengue. As. Pac. J. Mol. Biol. & Biotech, 18(2), 241-246.
[6] Morris, E. J. (2011). Open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strain to combat dengue- a structured risk-benefit analysis. Asia-Pacific Journal of Molecular Biology and Biotechnology, 19(3), 107-110.
[7] http://www.nature.com/scitable/topicpage/transposons-the-jumping-genes-518

por Patricia Sanae Sujii
sujiips@gmail.com

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Comunicação no Reino Animal

No meu último texto vimos que a comunicação é um fenômeno muito importante e amplo que compreende desde a comunicação humana (como o nosso blog de divulgação científica) até a comunicação entre as células do nosso corpo e a sinalização entre as bactérias. Mas como ocorre este fenômeno no reino animal? No texto de hoje vamos entender melhor como a comunicação animal é, na verdade, muito mais complexa do que pensamos; e digo isso por experiência própria: a disciplina de Comportamento Animal foi uma das mais ricas que cursei durante minha graduação, que abriu meus olhos para entender como o comportamento – e dentro deste, a comunicação – evoluíram nos animais.
Um dos exemplos mais interessantes na minha opinião é o que ocorre com alguns corvos e a história de como o pesquisador Bernd Heirich descobriu o fato é igualmente fascinante. Heirich sabia que estava diante de um enigma quando observou, durante um inverno, que corvos que se alimentavam de uma carcaça gritavam, atraindo outros corvos para a fonte de alimento. Mas por que os pássaros simplesmente não ficavam em silêncio para garantir o alimento farto, sem ter que dividir com os outros que apareciam? Uma das primeiras hipóteses que Heirich pensou foi que os corvos gritavam para chamar os “parentes” da mesma família que estavam na vizinhança para se alimentarem da carcaça. No entanto, essa hipótese foi rejeitada quando análises de DNA fingerprint  (veja mais sobre essa técnica no box abaixo) mostraram que os corvos que visitavam a carcaça não pertenciam a uma mesma família. Então, após várias observações do que acontecia, Heirich descobriu que, na verdade, os corvos só chamavam aos outros quando eles chegavam em uma carcaça que estava em um território guardado por um casal dessa mesma espécie de pássaro. Os casais defendem agressivamente uma carcaça que esteja em seu território, assim quando corvos que não tem par avistam uma fonte de alimento eles gritam para que outros corvos, também sem par, cheguem e assim vençam juntos as defesas do casal residente, podendo então se alimentar.  Essa comunicação oral é o que os pesquisadores denominam “chamada de recrutamento”. Fantástico, não é mesmo?
http://www.publicdomainpictures.net/view-image.php?image=25540&picture=corvo
DNA fingerprint. Nosso DNA possui sequências específicas de A, T, C e G que são reconhecidas e cortadas por algumas enzimas. Quando “cortamos” o DNA com essas enzimas são produzidos pequenos fragmentos do DNA de vários tamanhos e que podem ser visualizados em um gel. Nesse gel, o DNA aparece como bandas dispostas do maior para o menor tamanho, como se fosse então uma “impressão digital” do DNA no gel (por isso o nome fingerprint). Como cada pessoa tem sequências únicas de A, T, C e G no seu DNA as enzimas “cortam” também de maneira diferente o DNA de cada indivíduo e, por consequência, o fingerprint será diferente de pessoa para pessoa, ou no caso do texto, de animal para animal. Pessoas da mesma família possuem DNA fingerprint semelhante e dessa forma que é possível fazer os testes de paternidade. Quer saber mais? Veja esse vídeo no Youtube: DNA Fingerprinting Technique
Outro caso bem interessante é o do suricato, que vive na África - você provavelmente deve conhecê-lo como o Timão do filme “O Rei Leão”.  Este pequeno mamífero tem uma maneira bem própria de avisar aos seus companheiros da chegada de um predador. Eles se revezam em turnos e sempre alguns dos indivíduos do grupo tem a função de “sentinela”, ou seja, ficam observando se existem predadores por perto. Se eles avistam algum predador em potencial, emitem sinais específicos como um grito, que alertará aos outros animais do grupo do perigo iminente. Algumas pesquisas indicam, inclusive, que o grito emitido é tão específico que informa aos suricatos do grupo qual é o predador e o quão perigosa é a situação.
Com esses exemplos podemos ver como a vocalização é importante para a comunicação entre os animais. Mas será que outros tipos de comunicação, como a visual, também são importantes?
A resposta é sim. Além dos sinais de corte das aves, que são importantes para a escolha dos parceiros, a dança das abelhas é um dos exemplos mais interessantes de comunicação visual que existem no reino animal. Os pesquisadores observaram que quando uma operária volta de um lugar que tem alimento disponível ela dança na colméia, repetidamente, para avisar suas companheiras onde está o alimento. O ângulo e a duração dos movimentos do abdômen da abelha indicam a distância e a direção para onde as outras operárias devem ir para buscar pólen e néctar. Isso mostra como esses insetos cooperam para viverem socialmente.
Somente com esses exemplos já podemos ver o quanto a comunicação nas suas diversas formas é importante para os animais, pois ela tem papel no comportamento e, por consequência, na sobrevivência dos mesmos. A comunicação pode ajudar a encontrar alimento, parceiros e a se esconder de predadores. Nós, humanos, também somos animais e, a primeira vista, pode nos parecer que a comunicação em nossa sociedade é restrita apenas ao que a tecnologia nos proporciona. Mas o que será que nos possibilitou a comunicação falada, por exemplo? Como ela foi importante para nossa sobrevivência na pré-história? Será que nossos “parentes” neandertais também falavam como nós falamos?
Ficou curioso? No próximo texto vamos entender como a comunicação surgiu nos humanos e de que forma ela foi importante para nossa sobrevivência! Quer saber mais sobre o assunto de hoje? Abaixo estão alguns links com mais informações e vídeos interessantes sobre o tema. Sugestões e perguntas são sempre bem vindas!

Até a próxima!

Por: Nathália de Moraes
nathalia.esalq.bio@gmail.com

[1] Townsend, S.W., Rasmussen, M., Clutton-Brock, T., Manser, M.B. (2012). Flexible alarm calling in meerkats: therole of the social environment and predation urgency. Behavioral Ecology, doi: 10.1093/beheco/ars129. Acessado em 20 nov. 2014.
[2] Alcock, J. (2001). Animal Behavior: an evolutionary approach. 7º Ed. Sunderland:MA, Sinauer Associates. 494 p.
[3] Tarpy, D.R. (sem data). The honey bee dance language. Acessado do site da North Carolina State University (NCSU), Departamento de Entomologia. 
[4] At-Bristol Science Centre. (2014). Why do honey bees dance? (vídeo no Youtube). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2S-ozxpIrdI
[5] Globo Natureza. (2013). Suricatos (vídeo na internet). Disponível em:http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-natureza/v/globo-natureza-suricatos/2616884/