Mostrando postagens com marcador neurociência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador neurociência. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Por que é tão difícil cumprir as promessas de ano novo?

    Nós, humanos, nos orgulhamos da nossa capacidade de pensar e decidir sobre nossas ações em vez de apenas “seguir os nossos instintos”. Entretanto, felizmente nem sempre precisamos pensar e decidir qual será a próxima ação. Por exemplo, quando você acordou hoje de manhã, você pensou em como desligar o despertador ou simplesmente apertou o botão de desligar (ou o de soneca) automaticamente? Quando vai sair de casa, você pensa se vai colocar o sapato direito ou esquerdo primeiro? Você pensa em qual parte do corpo você vai lavar primeiro quando toma banho?
    Há muitos anos o funcionamento do cérebro humano tem intrigado pesquisadores das mais diversas áreas e, apesar de ainda existirem muitos mistérios, já temos algumas respostas. Cientistas descobriram, por exemplo, que mais de 40% das ações realizadas por uma pessoa durante um dia não são decorrentes de decisões, mas sim de hábitos. Em qualquer situação, o cérebro é forçado a escolher entre múltiplas ações e seria exaustivo ter que efetivamente pensar em cada uma delas. Ou seja, nossos hábitos nos poupam tempo e energia, o que costuma ser evolutivamente vantajoso!
Eles também descobriram que nossos hábitos e as memórias são gerenciados em partes diferentes do cérebro. O lobo temporal, que fica na parte lateral da cabeça, é responsável pela aprendizagem e pelas nossas memórias, enquanto que os hábitos estão relacionados aos gânglios basais, um grupo de estruturas mais primitivas, encontradas na base do cérebro e envolvidas na coordenação do movimento. Isso quer dizer que por mais que uma pessoa aprenda rapidamente que um certo hábito não é desejável, a ação ligada a ele é executada sem que a memória seja consultada.
    Então, é possível mudar um hábito e cumprir as famosas promessas de ano novo?
    Vamos começar entendendo como um hábito se forma. O ponto inicial é a descoberta. Começamos a aprender como responder ou reagir a determinada situação (estopim) e formar planos de ação. Esses planos são formados de modo que o resultado seja o mais vantajoso possível, o que pode ser economia de tempo ou de energia ou obter algum tipo de recompensa e às vezes, precisamos testar vários planos antes de começar a repetir algum. Então, com a repetição, o comportamento se torna mais automático e menos flexível, quase como um reflexo ou uma rotina. Portanto, os hábitos são executados da seguinte forma: estopim - rotina - recompensa, o que é conhecido como 'ciclo do hábito'.
    Considerando esse ciclo, sim, é possível mudar um hábito indesejado. Primeiro, é importante descobrir qual é o estopim e a recompensa do hábito que queremos mudar. Então, mantemos tanto o estopim como a recompensa e trocamos apenas rotina, que seria o novo hábito. O problema é que hábitos antigos não são apagados. Eles podem ser substituídos por novos hábitos e são armazenados em outra parte do cérebro. A qualquer momento o velho hábito pode voltar, dependendo do estímulo, da relação entre o esforço necessário e a recompensa do novo hábito, e também de outros fatores que ainda estão sendo estudados. Por isso, mantenha a recompensa em mente e execute seu novo plano de ação sem faltas de forma a substituir seu hábito indesejável da melhor maneira possível e boa sorte! Que 2015 seja um ótimo ano, cheio de bons hábitos!


Por: Patricia Sanae Sujii
sujiips@gmail.com

Referências
[1]Old habits don't die. www.natureasia.com/en/nindia/article/10.1038/nindia.2013.30 (Acessado em: 10/01/2015).
[2]Duhigg, C. (2012). The power of habit: why we do what we do in life and business. Random House LLC.
[3]Yin, H. H., & Knowlton, B. J. (2006). The role of the basal ganglia in habit formation. Nature Reviews Neuroscience, 7(6), 464-476.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O universo em cada um de nós

Ao final da década de 50, David Hubel e Torsten Wiesel descobriram neurônios na área de processamento visual do cérebro com preferência por determinados estímulos. Na área do cérebro onde se inicia o processamento visual a preferência é por estímulos relativamente simples: barras que atravessam o campo visual (Figura 1). Alguns neurônios preferem barras horizontais, outros preferem barras verticais e outros ainda preferem barras com uma determinada angulação intermediária. Em outras áreas de processamento visual a preferência se torna mais complexa e específica. Há neurônios que só respondem a estímulos de determinada cor e, em primatas, existem neurônios que respondem apenas a estimulação visual de faces.

Figura 1. Quando é apresentado o estímulo visual de barras verticais, os neurônios com preferência por esse tipo de estímulo se tornam significativamente mais ativos, enquanto outros neurônios não mudam muito o nível de atividade. Mas se barras horizontais são apresentadas, o inverso ocorre.
Conforme a tecnologia utilizada para registrar a atividade neuronal melhorou, cientistas utilizaram estímulos mais complexos. Técnicas como ressonância magnética funcional, registro simultâneo de vários eletrodos inseridos no cérebro ou as várias técnicas de imageamento óptico da superfície cerebral permitem a análise da atividade de um grande número de neurônios ao mesmo tempo. A combinação dessas técnicas com os estímulos chamados de “cenas naturais” possibilitou grande avanço no entendimento da rede neural envolvida na criação da percepção visual pelo cérebro.
Mas nem só de estímulos vive um neurônio sensorial. Neurônios de quase todas as partes do sistema nervoso disparam potenciais de ação mesmo sem a presença de estímulo externo. Populações de neurônios que disparam juntas fazem com que grandes áreas do cérebro tornem-se ativas espontaneamente. Por algum tempo acreditou-se que essa atividade espontânea não passava de uma aleatoriedade dos neurônios, um ruído incompreensível sem informação relevante sobre a estrutura da rede. Sabe-se hoje que isso está longe de ser verdade.
Muitos fatores podem levar um neurônio a se tornar espontaneamente ativo, e há de fato alguma aleatoriedade envolvida no processo. No entanto, conforme grandes grupos de neurônios se tornam ativos de forma simultânea, ou ao menos correlacionada, os fatores aleatórios pesam menos. Em artigo publicado na revista Nature em 2003, por exemplo, um grupo de pesquisadores demonstrou haver padrões na atividade espontânea do córtex visual que muito se assemelham aos padrões gerados por estímulos visuais (Figura 2). O nível de atividade é mais baixo, mas a estrutura é praticamente a mesma.

Figura 2. As imagens acima são padrões de atividade registrados na superfície do cérebro, na área de processamento visual. Regiões mais escuras representam áreas menos ativas, regiões mais claras são áreas com mais atividade. Quando calcularam o índice de semelhança entre padrões espontâneos e padrões estimulados, os cientistas descobriram que padrões de atividade espontânea se assemelham aos estimulados numa taxa muito mais alta do que a esperada aleatoriamente.

Alguns argumentam que é como se o cérebro estivesse a todo o momento fazendo pequenas simulações dos estímulos que estão por vir. Esta pode ser uma forma de manter o sistema nervoso preparado para responder de forma rápida e precisa quando um estímulo é apresentado. Sabemos que se apresentarmos um mesmo estímulo várias vezes a uma pessoa o sistema nervoso responderá de maneira similar a cada apresentação, mas sempre com uma pequena variação entre as apresentações. Normalmente fazemos uma média da atividade nervosa ao longo de várias apresentações para descartar essas pequenas variações. Alguns cientistas têm buscado a origem dessa variação e, aparentemente, a resposta para o problema está na atividade espontânea cerebral. Cada vez que o estímulo é apresentado o cérebro está em um estado ligeiramente diferente, o que resultará em uma ativação ligeiramente diferente do sistema nervoso.
Há muito tempo que se entende a percepção como uma construção da mente. No universo físico a luz possui comprimento de onda, as moléculas possuem estado de agitação e as forças de interação entre seus átomos geram estruturas variadas. Nossa mente traduz esses parâmetros em cor, temperatura e odor, tudo construído pelo cérebro. O estudo da atividade espontânea nos mostra que o cérebro não aguarda silenciosamente pelos estímulos do mundo externo. Ao contrário, há sempre uma expectativa, uma fraca simulação do universo em andamento. Essa simulação será modulada, reforçada em alguns pontos e inibida em outros, e é desse encontro do mundo externo com o mundo intrínseco à mente que nasce a percepção.
Por: Tiago Siebert Altavini
 ts.altavini@gmail.com

Referências
Fox, M. D., Snyder, A. Z., Vincent, J. L., & Raichle, M. E. (2007). Intrinsic fluctuations within cortical systems account for intertrial variability in human behavior. Neuron56(1), 171–84. doi:10.1016/j.neuron.2007.08.023
He, Y., Wang, J., Wang, L., Chen, Z. J., Yan, C., Yang, H., … Evans, A. C. (2009). Uncovering intrinsic modular organization of spontaneous brain activity in humans. PloS One4(4), e5226. doi:10.1371/journal.pone.0005226
Hubel, D. H., & Wiesel, T. N. (1962). Receptive fields, binocular interaction and functional architecture in the cat’s visual cortex. The Journal of Physiology160(1), 106. Retrieved from http://jp.physoc.org/content/160/1/106.full.pdf
Kenet, T., Bibitchkov, D., Tsodyks, M., Grinvald, A., & Arieli, A. (2003). Spontaneously emerging cortical representations of visual attributes. Nature425(6961), 954–6. doi:10.1038/nature02078.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Gol de placa!

Neste ano de 2014 que já se encaminha para o fim tivemos no Brasil, além das eleições, a tão esperada Copa do Mundo FIFA. Apesar de toda a expectativa mundial pelos jogos propriamente ditos, confesso que os meus olhos estavam voltados para o pontapé inicial da Copa no 1º jogo, entre Brasil e Croácia, que seria dado por uma pessoa paraplégica usando um exoesqueleto construído por um grupo de cientistas, feito inédito no mundo até então.
Apesar de toda a “politicagem” e, na minha opinião, insensibilidade da FIFA, que transmitiu o acontecimento que já estava limitado a um pequeno espaço na lateral do campo por somente 5 segundos, creio que o esforço de jogador de futebol algum foi maior do que o dos pesquisadores do projeto “Andar de novo” (Walk Again, em inglês). É sobre este projeto e o grande avanço que ele nos trouxe que vou dedicar esse texto. Se você, caro leitor, não viu o momento do pontapé inicial da Copa, aqui está o vídeo da transmissão.
O projeto encabeçado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, com a participação de mais 156 pesquisadores de vários países, começou bem antes da Copa no Brasil. Com ajuda financeira de entidades públicas e de iniciativas privadas, o objetivo era que uma pessoa paraplégica “voltasse a andar”, dando o chute inicial da Copa do Mundo.  Em 17 meses eles construíram um exoesqueleto de aproximadamente 70 kg com auxílio de peças robóticas e tecnologias bem novas, como impressoras 3D.
É o primeiro exoesqueleto do mundo que utiliza as atividades cerebrais para gerar os movimentos, o que eles chamam de uma interação cérebro-máquina. Os sensores do exoesqueleto captam sinais do cérebro através de uma toca de eletrodos que fica na cabeça do paciente e depois é que a movimentação das pernas ocorre, com a ajuda do exoesqueleto que executa a ação. Com o tempo e através da interação frequente corpo-máquina, o cérebro gera uma ilusão de que as pernas estão se mexendo e caminhando enquanto o paciente usa o exoesqueleto.
Depois de todos os testes terem obtido êxito, um dos pacientes voluntários da pesquisa foi então escolhido entre os 14 participantes que já tinham testado o equipamento para chutar a primeira bola na Copa com o auxílio da veste robótica, fato que pode ser considerado uma grande realização para a ciência!
Apesar do sucesso científico já conseguido, em longo prazo os cientistas do grupo de Nicolelis querem ainda aperfeiçoar a máquina e fazer com que a mesma capte de forma mais precisa os sinais elétricos transmitidos pelo cérebro do paciente. Além disso, para que os pacientes se sintam mais confortáveis eles pretendem também deixar a veste mais leve para que possa ser usada literalmente como uma roupa.  
Todos os resultados são publicados em revistas científicas e o pontapé na abertura da Copa foi uma forma de aproximar ciência e população, ao se mostrar esse grande avanço científico em um evento de alcance mundial.
Segundo Nicolelis, a pesquisa tem muito a crescer e com certeza ajudará muitas pessoas que não têm mais a capacidade de andar, o que melhora inegavelmente a qualidade de vida delas. É um verdadeiro gol de placa da ciência!
Se você caro leitor, assim como eu, se interessa pelo assunto, abaixo estão alguns links com mais informações a respeito. Deixe também seus comentários e dúvidas na nossa página!
Por fim, deixo uma frase que li sobre o tamanho avanço científico resultado pela pesquisa (parafraseando Neil Armstrong): “Um pequeno pontapé para o homem, um grande passo para a ciência mundial!”.

Até a próxima!

 Nathália de Moraes
Fale com a pesquisadora: nathalia.esalq.bio@gmail.com
Referências:

[1] TV Globo. (2014). Miguel Nicolelis explica como funciona o exoesqueleto (vídeo). Disponível em: http://globotv.globo.com/t/programa/v/miguel-nicolelis-explica-como-funciona-o-exoesqueleto/3447101/
[2] Release digital. (2014). Informações sobre o projeto Andar de novo. Disponível em: http://www.releasedigital.com.br/aasdap-iinn-els
[3] Nicolelis lab é um site que apresenta de forma dinâmica informações sobre os estudos desenvolvidos pelo pesquisador com notícias, entrevistas e vídeos. Disponível em: http://www.nicolelislab.net/