quinta-feira, 28 de maio de 2015

O Inverno está chegando...

O mês de junho está chegando e com ele as Festas Juninas e suas tradições, o Dia dos Namorados e todo seu romantismo, o friozinho do outono/inverno que fica mais intenso... Tem muita gente que não gosta do frio, outras que adoram (assim como eu!), mas independente de gostar ou não o nosso corpo precisa se adaptar às mudanças que as temperaturas mais baixas nos provocam. No texto de hoje do “Ciência Informativa” vamos entender como o nosso corpo se altera fisiologicamente no frio e descobrir curiosidades relacionadas às quedas na temperatura. Então se aconchegue no seu cobertor e boa leitura!
Quais mudanças as temperaturas mais baixas provocam no corpo humano?
A temperatura média no nosso corpo deve permanecer entre 36,5 e 37,5 ºC; temperaturas diferentes destas fazem com que mudanças fisiológicas próprias ocorram para que o funcionamento do corpo não seja prejudicado.
Quando o hipotálamo, que é uma região do cérebro que funciona como um termostato (veja uma imagem aqui), recebe informações de que a temperatura está mais baixa, ele precisa garantir que não haja perda de “calor” do nosso corpo para o meio externo, pois em casos extremos, os órgãos tendem a parar de funcionar e podemos morrer (como na hipotermia). Por isso, diversos mecanismos de resposta ocorrem, como a vasoconstrição periférica – diminuição da circulação de sangue na pele que resulta em menos perda de calor para o ambiente - e o aumento da taxa metabólica – que resulta no aumento da produção de “calor” pelo nosso corpo.
Além disso, no frio nossos pelos ficam levantados (figura 1) – o que ajuda a manter uma pequena camada de ar ao redor do nosso corpo, funcionando como isolante térmico - e podemos sentir calafrios, que são rápidos movimentos musculares que também produzem “calor”. Como animais homeotérmicos, ou seja, que conseguem manter sua temperatura corporal constante, temos um grande arsenal de respostas fisiológicas ao frio, mas isso não impede que busquemos a luz do Sol, como outros animais, para nos aquecer.

Figura 1: os pelos levantados na pele são uma das respostas ao frio.
(http://super.abril.com.br/sites/super-interessante/files/styles/news_medium/public/branco-arrepiando.jpg?itok=-ZgeVMiP) 

Por que algumas pessoas sentem mais frio do que outras?
A temperatura em um ambiente é igual para todos, mas a percepção da temperatura pode variar de pessoa para pessoa. A idade, o peso e até o hábito de se expor ou não às baixas temperaturas pode explicar como as pessoas reagem de forma diferente às mudanças no termômetro. Pessoas idosas e crianças, assim como pessoas com o organismo debilitado por causa de alguma doença, geralmente sentem mais frio que adultos, e quem está “acostumado” com baixas temperaturas não percebe tanto essas mudanças.
Essa diferença de sensação térmica é explicada pois nosso corpo tem receptores térmicos de frio e calor (que ficam logo abaixo da nossa camada de pele) e que percebem as variações de temperatura externa, porém essa percepção dos receptores é diferente de pessoa para pessoa, logo a sensação de calor ou de frio também muda.
Por que comemos mais no inverno?
Existem várias teorias que tentam explicar isso. Algumas pesquisas relacionam a vontade de comer mais com depressões sazonais (nesse caso, relativas às mudanças nas estações do ano), visto que em muitos países o inverno é extremamente rigoroso, com dias no escuro, o que pode levar algumas pessoas a ficarem deprimidas.
Outras pesquisas apontam que é um comportamento que herdamos dos nossos ancestrais: na pré-história dias mais frios e escuros indicavam que era hora de comer bastante para guardar gordura no corpo e enfrentar os rigorosos invernos, que geralmente não tinham muito alimento disponível. Logo, é como se o nosso cérebro estivesse com essa instrução guardada ainda e por isso os dias mais frios nos deixam com mais fome e principalmente de comidas gordurosas. Além disso, depois de aproximadamente 1 hora que comemos, nosso corpo pode aumentar em até 10% a geração de “calor”, o que também é bom para os dias frios.
Mas, diferente do que a maioria das pessoas pensa, nós não gastamos muito mais calorias no inverno! O nosso corpo pode gastar até um pouco mais de energia aquecendo e umidificando o ar que respiramos, produzindo os movimentos de calafrios ou até mesmo (em situações mais extremas) para carregar o peso extra das roupas de inverno, mas é uma quantidade pequena se comparada a todo o nosso metabolismo.
Podemos ver então como o nosso corpo dispõe de um arsenal de respostas fisiológicas ao frio, que nos mantêm vivos desde a época de nossos ancentrais pré-históricos. Os outros animais também precisam manter-se quentinhos no inverno: os répteis, por exemplo, ficam ao sol se aquecendo (figura 2a), pois a temperatura destes varia conforme a temperatura do ambiente; já os pássaros eriçam suas penas (figura 2b) tentando manter uma camada de ar ao redor de seu corpo, assim como nossos pelos se levantam também

Figura 2 a: os répteis tomam sol para regular sua temperatura. 

Figura 2 b:  as aves eriçam suas penas para manter uma pequena camada de ar ao redor de seu corpo.
http://www.bbc.co.uk/gloucestershire/content/image_galleries/winter_birds_gallery.shtml

Agora que você sabe mais sobre o seu corpo e as mudanças que o frio provoca não adianta mais a crença de que frio é “psicológico”, pois tudo é explicado pela ciência!

Dúvidas e sugestões? Comente na nossa página!

Até mais!

Por Nathália de Moraes
nathalia.esalq.bio@gmail.com
Referências
Qual é o nível máximo e o mínimo que a temperatura do corpo pode atingir? (sem data). Acessado de http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-o-nivel-maximo-e-o-minimo-que-a-temperatura-do-corpo-pode-atingir em abril de 2015.
Febre. (sem data). Drauzio Varella. Acessado de http://drauziovarella.com.br/letras/f/febre/ em abril de 2015.
Ooijen et al. (2004). Seasonal changes in metabolic and temperatures responses to cold air in humans. Physiology & Behavior. 82:545 – 553. Disponível em: http://www.mate.tue.nl/mate/pdfs/4319.pdf
Biofísica das trocas de calor corporal. (sem data). Acessado de http://uab.ufac.br/moodle/pluginfile.php/5249/mod_resource/content/1/biotermologia%201.pdf em abril de 2015.
Entenda por que o frio não é o mesmo para cada pessoa. (20/06/2014). Acessado de
Ambient Environment: Thermal Sensation. (sem data) Acessado de  http://ergo.human.cornell.edu/studentdownloads/dea3500notes/thermal/thsensnotes.html em abril de 2015.
Michelena, J. & Mors, P. M. (2008). Física Térmica: uma abordagem histórica e experimental. Em: Textos de Apoio ao Professor de Física. Porto Alegre: UFRGS, Instituto de Física. Acessado de http://www.if.ufrgs.br/public/tapf/v19n5_Michelena_Mors.pdf em abril de 2015.
Annie Hauser. (sem data). Why Do We Eat More in Winter? Acessado de
Nancy Clark. (sem data). Winter and Nutrition: Fueling for Cold-Weather Exercise

quinta-feira, 21 de maio de 2015

De onde viemos e como chegamos aqui?

   Você já se perguntou de onde viemos? Ou como os humanos colonizaram cada continente? Ou como se formaram as diferentes etnias? A história evolutiva humana é objeto de discussão e pesquisa há milhares de anos. Filósofos da Grécia antiga já se questionavam sobre nossa origem. Pesquisadores das mais diversas áreas de estudo (biologia, geografia, química, antropologia, linguística, etc…) buscam entender como, onde e quando nossa espécie surgiu e como nos espalhamos pelo mundo. O desenvolvimento de tecnologias que permitem ler o genoma rapidamente a um custo razoável somado às pesquisas arqueológicas, antropológicas e sobre mecanismos evolutivos podem nos ajudar a responder a perguntas como essas.

Fonte: National Geographic
   Um projeto iniciado em 2005, conhecido como “The Geographic Project”, tem o objetivo de entender onde os humanos se originaram e como se espalharam pelo mundo. O projeto reúne um grande grupo de pesquisadores de diversos países (Veja mais aqui) que usam técnicas modernas de análise genética para mapear as diferenças entre as sequências de DNA de populações indígenas de cada região do mundo. Além disso, qualquer pessoa pode ser um voluntário, ter seu DNA sequenciado e participar do projeto, basta comprar o kit de coleta [1].

   O projeto tem gerado resultados que nos contam um pouco da nossa história. Estudos anteriores genéticos e arqueológicos mostram evidências de que o Oriente Médio e a península Arábica tenham sido os primeiros locais ocupados pelos humanos fora da África, mas pouco se sabia a respeito de como essas populações têm se organizado nos últimos milênios. Um estudo do DNA de populações nativas da área de Levante, no Oriente Médio, mostrou que as pessoas podem ser organizadas em três grupos, que coincidem com as principais filiações religiosas (cristãos, muçulmanos e drusos). Por outro lado, não é possível agrupar essas pessoas pela sua origem geográfica, o que mostra um importante componente cultural para formação das famílias na região [3].

   Um outro estudo, realizado com grupos nativos do sudeste asiático, indicou que as populações se instalaram na região há aproximadamente 19 mil anos. Na época das migrações, o clima na região era mais frio do que atualmente e o relevo formava grandes barreiras, o que permitia que apenas pequenos grupos conseguissem migrar. A conclusão do estudo foi que o isolamento e o tamanho restrito dos grupos de pessoas foram os responsáveis pela diversificação étnica na região [3].

   Na América do Sul, pesquisadores compararam os Uros (populações nativas dos Andes, encontradas na Bolívia e no Peru) com outras populações dos andinas (Aymara and Quechua). Antropólogos e linguistas já consideraram os Uros como um grupo étnico separado dos Aymara e Quechua, por apresentarem diferentes tradições, hábitos e línguas. Resultados dos estudos genéticos confirmaram que os Uros têm uma origem diferente das demais populações andinas e os grupos foram formados tanto por isolamento geográfico como por diferenças culturais [4].

   Esses estudos mostram um pouco da complexidade da história das migrações de grupos de humanos pelo planeta, mas ainda há muito o que se estudar sobre esse assunto, por isso o projeto ainda está em andamento. Os pesquisadores continuam a buscar outros grupos nativos e voluntários continuam a mandar suas amostras de DNA. Você pode encontrar mais informações sobre o projeto, material didático e novas descobertas na página: www.genographic.nationalgeographic.com
  

por Patricia S. Sujii
 sujiips@gmail.com


Referências


Projeto Genographic: https://genographic.nationalgeographic.com/

[1] Behar, D. M., Rosset, S., Blue-Smith, J., Balanovsky, O., Tzur, S., Comas, D., ... & Genographic Consortium. (2007). The Genographic Project public participation mitochondrial DNA database. PLoS Genetics, 3(6), e104.

[2] Haber, M., Gauguier, D., Youhanna, S., Patterson, N., Moorjani, P., Botigué, L. R., ... & Zalloua, P. A. (2013). Genome-wide diversity in the levant reveals recent structuring by culture. PLoS genetics, 9(2), e1003316.

[3] Cai, X., Qin, Z., Wen, B., Xu, S., Wang, Y., Lu, Y., ... & Genographic Consortium. (2011). Human migration through bottlenecks from Southeast Asia into East Asia during Last Glacial Maximum revealed by Y chromosomes. PLoS One, 6(8), e24282.

[4] Sandoval, J. R., Lacerda, D. R., Jota, M. S., Salazar-Granara, A., Vieira, P. P. R., Acosta, O., ... & Genographic Project Consortium. (2013). The genetic history of indigenous populations of the Peruvian and Bolivian Altiplano: the legacy of the Uros. PloS one, 8(9), e73006.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Os microRNAs

Figura 1. Estrutura secundária de um precursor de microRNA.
Fonte: http://www.megacurioso.com.br/genetica/33191-cientistas-encontram-genes-que-diferenciam-os-humanos-dos-primatas.htm

O DNA (ácido desoxirribonucleico) é o material genético dos seres vivos. Ele é composto por uma fita dupla de moléculas que contem as informações necessárias para regular o funcionamento e desenvolvimento de nosso organismo. É esse material genético que é passado para os filhos e fazem com que características dos pais sejam herdadas. O seu papel no organismo é de armazenar as informações necessárias para a síntese de RNAs (ácidos ribonucleicos). Os RNAs, por sua vez, são compostos por uma fita simples de moléculas, diferindo do DNA. Um tipo de RNA, o RNA mensageiro (RNAm) é o responsável por carregar as informações do DNA para tradução em proteínas no nosso organismo.
Os microRNAs (miRNAs) são uma classe de pequenos RNAs, presentes em plantas e animais, que não codificam proteínas. Eles são formados a partir de uma longa sequência precursora de RNA capaz de se dobrar e formar uma estrutura de grampo (Figura 1). Produzidos a partir de sequências específicas do DNA, os precursores de miRNAs são processadas por diversas proteínas até formar uma pequena sequência de RNA fita simples possuindo, aproximadamente, 18-24 nucleotídeos de comprimento. 
Essas pequenas sequências de RNAs que não sintetizam uma proteína vêm sendo amplamente estudadas para que se entenda seu papel dentro do organismo. Dessa forma, revela-se a grande importância destas pequenas moléculas em muitos processos biológicos, por meio da regulação da expressão de genes importantes no desenvolvimento e funcionamento do organismo.
A sua atuação na célula ocorre através da ligação do miRNA ao RNAm alvo específico, impedindo que o RNAm consiga produzir uma proteína, o que impede que essa proteína realize sua função (Figura 2). Essa inibição dá-se por meio da complementariedade de bases entre as sequências do miRNA e de seu RNAm alvo, podendo haver a destruição desse RNAm ou apenas bloqueio de sua tradução.

Figura 2. Mecanismo de regulação da tradução realizada pelos miRNAs.
Fonte: Adaptado de https://www.fireflybio.com/introduction_to_microRNA

Em plantas e em animais há diversos miRNAs que possuem alvos bastante importantes no organismo. Isso faz com que essas pequenas moléculas consigam fazer uma regulação fina e específica de diversos processos biológicos dentro das células. Algumas das funções importantes que os miRNAs apresentam no organismo de plantas e animais estão relacionados a: diferenciação e crescimento de células, apoptose, florescimento, fertilidade, defesa contra patógenos, coordenação da homeostase e respostas ao estresse. Diante disso, pode-se observar a grande importância destas pequenas sequências de RNA na regulação e funcionamento do organismo de plantas e animais. 

Onde mais essas pequenas moléculas podem atuar? Será que podemos utilizá-las como terapias medicamentosas? Talvez produzir plantas transgênicas que são resistentes a doenças por meio dos miRNAs que elas produzem? São muitas ideias que podem ser geradas e trabalhadas para que se possa entender melhor o funcionamento de moléculas ao nível celular em nosso organismo, assim como utilizar a biotecnologia para produção de novos produtos e tecnologias que sejam úteis para nós. 


Por:
Thaís Cunha de Sousa Cardoso – thaiscunhasc@gmail.com

Matheus de Souza Gomes - souzagomes.matheus@gmail.com

Referências Bibliográficas
Bartel, D. P. (2004). MicroRNAs : Genomics , Biogenesis , Mechanism , and Function Genomics : The miRNA Genes. Cell, 116, 281–297.
Carthew, R. W., & Sontheimer, E. J. (2009). Origins and Mechanisms of miRNAs and siRNAs. Cell, 136(4), 642–655. doi:10.1016/j.cell.2009.01.035
Chen, X. (2008). MicroRNA Metabolism in Plants. Current Topics in Microbiology and Immunology, 320, 117–136.
Doench, J. G., Petersen, C. P., & Sharp, P. a. (2003). siRNAs can function as miRNAs. Genes & Development, 17(4), 438–442. doi:10.1101/gad.1064703
Filho, J. C. M. R., & Kimura, E. T. (2006). MicroRNAs: Nova Classe de Reguladores Gênicos Envolvidos na Função Endócrina e Câncer. Arq. Bras. Endocrinol Metab., 50(1).
Kidner, C. a, & Martienssen, R. a. (2005). The developmental role of microRNA in plants. Current Opinion in Plant Biology, 8(1), 38–44. doi:10.1016/j.pbi.2004.11.008
Krützfeldt, J., Rajewsky, N., Braich, R., Rajeev, K. G., Tuschl, T., Manoharan, M., & Stoffel, M. (2005). Silencing of microRNAs in vivo with “antagomirs”. Nature, 438(7068), 685–9. doi:10.1038/nature04303
Maria John Scheid, N., Ferrari, N., & Delizoicov, D. (2005). A contrução coletiva do conhecimento científico sobre a estrutura do DNA. Ciência E Educação, 11(2), 223–233.
Wahid, F., Shehzad, A., Khan, T., & Kim, Y. Y. (2010). MicroRNAs: synthesis, mechanism, function, and recent clinical trials. Biochimica et Biophysica Acta, 1803(11), 1231–1243. doi:10.1016/j.bbamcr.2010.06.013
Zeng, Y. (2006). Principles of micro-RNA production and maturation. Oncogene, 25(46), 6156–6162. doi:10.1038/sj.onc.1209908


quarta-feira, 13 de maio de 2015

A Ciência e a Guerra

Vamos conversar um pouco sobre a influência das guerras na produção científica? No mundo globalizado, a informação viaja quilômetros em instantes de segundos, chegando a toda a parte do mundo praticamente em tempo real. As notícias de conflitos em muitos países não são diferentes. Assistimos à Guerra do Iraque em 2003, ao Conflito Civil na Síria em 2011 e, mais recentemente à Guerra Civil no Leste da Ucrânia. Vamos pensar na produção científica por traz desses conflitos, qual o real impacto das guerras na ciência?
É fato que muitas tecnologias utilizadas hoje no nosso dia a dia foram desenvolvidas em grandes guerras, como o forno micro-ondas, o GPS, câmeras fotográficas, entre outros. O filme “O jogo de imitação” lançado em 2014 nós mostra um pouco de como foi criado o primeiro protótipo de computador na Segunda Guerra Mundial pelos ingleses, objeto fundamental para a derrota alemã no conflito. Porém, hoje eu quero trazer “um outro lado” da história, o lado das perdas na produção científica causadas pela guerra. 
No conflito atual ocorrido na Ucrânia, iniciado com a decisão do governo de não assinar o acordo com a União Europeia em 2013, dividiu a população em dois grupos: um a favor da incorporação da Ucrânia a Rússia, e outro separatista, que não aceitam essa união. Os conflitos entre esses grupos acarretaram em problemas sérios sobre os setores acadêmicos e científicos na Ucrânia afetando mais de 1.500 cientistas e mais de 100.000 estudantes.
 As últimas notícias mostram que o governo já deslocou mais de 11 universidades que se localizam nas áreas de conflito temendo ataque às instituições. Nesse deslocamento muita coisa ficou para trás. São laboratórios, amostras, espécimes e trabalho de uma vida todo que ficaram perdidos em meio a guerra. No sudeste da Ucrânia encontra-se um dos maiores polos de universidades, institutos e centros de pesquisa, com a presença da Universidade Nacional de Donetsk, umas das melhores universidades do país. Com deslocamento e evacuação desses polos é esperada uma queda acentuada na produção e desenvolvimento da ciência.
Um dos piores casos foi o ataque a Academia Nacional de Ciências da Ucrânia, que devido à resistência de muitos pesquisadores de realizar o deslocamento da área, o instituto teve que ser abandonado às pressas, deixando tudo o que havia nele para trás. E mais recentemente o governo ucraniano perdeu o controle do Observatório de Astrofísica da Criméia, considerado um dos bens mais preciosos para a ciência nacional e que desenvolvia estudos importantes em geodinâmica, como a detecção de irregularidades na rotação da Terra.
No meio do problema alguns pesquisadores tentam desesperadamente “contrabandear” amostra e dados das suas antigas universidades. O que sobrou das pesquisas do cientista Zagorodnyuk foi seu hd externo com alguns dados e publicações, que ele conseguiu salvar passando com o objeto preso com fita crepe em suas pernas por vários locais onde os separatistas controlam.
Mas essas perdas não se restringem apenas a Ucrânia. Os extremistas pertencentes ao grupo Estado Islâmico, que vem aterrorizando o mundo com seu caráter violento e desumano, destruíram o sítio arqueológico da cidade iraquiana Hatra, considerado Patrimônio Nacional da UNESCO. O grupo atacou a história de um país e seu povo ao destruir ruinas do século XIII a.C., uma das mais importantes heranças arqueológicas do país.
Até onde irão os crimes de guerra contra a população, a sua história e sua ciência? Não é possível saber. Não existe um consenso sobre o que virá daqui para frente. Assim quem mais sai perdendo é a população desses locais, que deixam tudo construído na vida para trás, em busca das mínimas condições de sobrevivência. E como sua população, a ciência sofre. 


Por Nathalia Brancalleão
E-mail para contato: na_brancalleao@hotmail.com

Referências Bibliográficas:
Science, “Exodus from the East”, Richard Stone, Kyiv and Vinnytsya, Ukraine.
Harvard Summer School, “The Conflict in Ukraine: a Historical Perspective”, Lauren McLaughlin
Global Research, “Ukrainians Against War. Conscripts Refuse to Fight against Their Own Citizens”, Stephen Lendman 29/01/2015


quinta-feira, 7 de maio de 2015

Uma forma diferente de enxergar o mundo

A forma de detecção da posição e distância de objetos e animais no ambiente de alguns mamíferos - como no caso de morcegos, golfinhos e baleias - é chamada de ecolocalização. Essa forma de localização é feita través de emissão de som ou ondas ultrassônicas, seja no ar ou na água, baseando-se na análise ou cronometragem do tempo gasto para que o som emitido atinja o alvo e volte à fonte na forma de eco. Com essa capacidade os animais conseguem calcular a distância que determinado objeto encontra-se dele, permitindo assim a locomoção mais ágil e também a captura presas de forma mais eficiente.

Daniel Kish andando de bike pelas ruas de Los Angeles

Essa capacidade é extremamente importante para esses animais quando a visão é insuficiente, como é o caso dos morcegos que possuem hábitos noturnos, bem como para os animais marinhos que vivem em águas turvas. Alguns pássaros também utilizam a ecolocalização para voarem com eficiência em cavernas.
Com base nessa capacidade de percepção de objetos a grandes distâncias é que se criou os sonares, muito utilizados hoje principalmente para identificar objetos no fundo do mar. O equipamento emite ondas e de acordo com o tempo que o eco leva para voltar até ele, ele estima a distância entre o objeto e o equipamento. Através da variação do eco a técnica de ecolocalização consegue também identificar diferentes superfícies, tamanhos, densidade e outras características do objeto. 
Foi baseada nesta técnica que surgiu a ecolocalização humana, utilizada por pessoas cegas. Através de sons produzidos por elas, elas calculam o tempo que este som demora a retornar até elas, permitindo o cálculo da distância aproximada dos objetos. Essas pessoas “enxergam” o mundo através de “cliques” com a língua, literalmente.
Daniel Kish é o responsável pelo desenvolvimento da técnica de ecolocalização humana. Ele é completamente cego desde quando era bebê, mas isso não o impediu de levar uma vida normal. Através estalos que faz com a língua, ele é capaz de criar um retrato mental de tudo que o cerca.
Carros, árvores, portas, postes na calçada, tudo é identificado e mapeado em seu cérebro usando informações obtidas a partir do som que ecoa de uma série de estaladas de língua que ele faz duas ou três vezes por segundo. Essa capacidade permite que ele leve uma vida ativa, que incluem desde trilhas a prática de mountain bike! Além da pratica de esportes, Kish diz que sua técnica permite que ele aprecie a beleza das coisas ao seu redor, por exemplo, ele diz que consegue estalar a língua em direção a um prédio e perceber se ele conta com ornamentos ou não.
Interessados em estudar o quanto seres humanos podem compensar a falta de visão através desta técnica, uma equipe liderada por Lutz Wiegrebe, neurologista da Universidade Ludwig Maximilian de Monique [1], recrutou 8 estudantes com visão normal para aprender a técnica de ecolocalização. Posteriormente foram colocados, com vendas, em um longo corredor para que tentassem identificar a distância que estavam das paredes e se locomovessem corretamente através do uso da técnica.
Todos apresentaram bons resultados após 2 ou 3 três semanas de treinamento, conseguindo se orientar através dos cliques, sem esbarrar em nenhuma parede. O que indicou que todos podem desenvolver a habilidade, pessoas que possuem deficiência visual ou não.
Em outro estudo, realizado por uma equipe de cientistas canadenses [2] a fim de compreender como o cérebro interpreta os resultados das vocalizações, comparou-se a atividade cerebral de 2 voluntários cegos que se diziam capazes de realizar ecolocalização com a de 2 pessoas com visão normal que não apresentavam a mesma capacidade.
Todos ouviram duas gravações, uma contendo ecos e outra os ecos foram retirados. A análise da atividade cerebral revelou que apenas os cegos, ao ouvir gravação com ecos, tiveram atividade registrada no sulco calcarino, ou seja, a parte do cérebro associada ao processo de visão. Nenhuma atividade diferente foi notada no córtex auditivo dos participantes. Com isso confirmou-se que eles realmente conseguem formar imagens do ambiente através dos ecos.
Kish ensina sua técnica de ecolocalização, que ele chama de FlashSonar, a pessoas cegas de todo o mundo. Mais de 500 estudantes de 25 países já realizaram o curso que é oferecido por uma organização sem fins lucrativos chamada World Access for the Blind (Acesso Mundial para os Cegos). Para quem quiser saber um pouco mais sobre ele: https://www.youtube.com/watch?v=ob-P2a6Mrjs


Por Jaqueline Almeida
jaqueline.raquel.almeida@usp.br


Referências
[1]: Wallmeier, L., Wiegrebe, L. (2014). Self-motion facilitates echo-acoustic orientation in humans. R. Soc. open sci. 2014 1 140185; DOI: 10.1098/rsos.

[2]: Thaler, L., Arnott, S.R. & Goodale, M. A. (2011). Neural correlates of natural human echolocation in early and late blind echolocation experts. PLoS ONE, 6(5): e20162. doi:10.1371/journal.pone.0020162.