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quarta-feira, 15 de julho de 2015

Feminino, masculino e suas variações no mundo animal

Feminino, masculino e suas variações no mundo animal

    Você acha que os animais sempre podem ser separados em machos e fêmeas? Você acha que relações entre indivíduos do mesmo sexo e troca de gênero não são “naturais”? São invenções do humano moderno? Nessa série de três matérias, vou apresentar algumas situações muito mais complexas e intrigantes que podemos encontrar na natureza!

    Começo falando sobre um tipo de reprodução conhecido como partenogênese (do grego: “nascimento virgem”), que nada mais é do que a formação de um embrião sem fertilização. Isso mesmo, o embrião se forma a partir do óvulo da mãe, sem um espermatozoide. Essa é uma das alternativas encontradas para o tipo de reprodução mais comum: macho + fêmea = filhote.

    Você pode estar se perguntando: “mas como nunca ouvi falar disso?”. Se você já ouviu “ai ai ai, carrapato não tem pai”, você já ouviu falar de partenogênese! Existem carrapatos machos e fêmeas que podem cruzar e gerar carrapatinhos machos e fêmeas. Entretanto, na ausência ou na escassez de machos, as fêmeas podem se reproduzir sem eles e, nesse caso, nascem apenas fêmeas [1].

    Existem também vertebrados capazes de realizar reprodução unissexual (em que só fêmeas efetivamente participam): lagartos, peixes, salamandras, sapos e aves. Em algumas dessas espécies, as fêmeas precisam de um estímulo do macho para que o embrião se forme, em outras, não é necessária a presença de um macho, sendo que em ambos os casos, os filhotes recebem os genes apenas da mãe.

    A descoberta de partenogênese em tubarões aconteceu em uma situação muito curiosa. No aquário do zoológico Henry Doorly, nos Estados Unidos, haviam três tubarões martelo fêmeas e nenhum macho. As três fêmeas foram capturadas na natueza ainda muito jovens, sexualmente imaturas, e viveram no tanque do aquário por três anos sem nunca ter vivido com um macho. Então, um dia surgiu um filhote de tubarão martelo no tanque. Cientistas testaram várias hipóteses e, após um teste de paternidade (no caso, um teste de maternidade), chegaram à conclusão de que uma das fêmeas era a mãe e o pai do filhote! [2]



Tubarão martelo (Foto: Wikipedia Commons)

Como surgem as espécies capazes de realizar partenogênese?
    A maioria das espécies unissexuais se originaram a partir do cruzamento de duas espécies diferentes. Se você se lembra das aulas de biologia na escola, quando o professor ensinou que se espécies diferentes se cruzam geram descendentes que não se desenvolvem ou que são estéreis (como o burro e a mula), não se sinta enganado! Essa é a regra geral e a partenogênese é uma das exceções possíveis.

    Então, um lagarto macho da espécie A cruza com uma fêmea da espécie B que gera filhotes híbridos. Eventualmente, algumas fêmeas híbridas crescem saudáveis e capazes de se reproduzir, mas nesse caso, sem um macho! Para entender melhor os mecanismos desse tipo de reprodução, leia o artigo aqui [3]. Existe também a possibilidade de ocorrer um conjunto de mutações que levam as fêmeas de uma espécie a desenvolver a capacidade de se reproduzirem sem

 um macho [4].

    A partenogênese já foi encontrada em aproximadamente 80 espécies de vertebrados, em diversos invertebrados e em plantas, e novas espécies continuam sendo descobertas. Na próxima matéria, vou falar sobre outra situação intrigante e muito comum na natureza, em que um indivíduo pode ser o pai e/ou a mãe, o hermafroditismo. Acompanhe!
 

por Patricia Sanae Sujii
sujiips@gmail.com

[1] Saito, Y., & Hoogstraal, H. (1973). Haemaphysalis (Kaiseriana) mageshimaensis sp. n.(Ixodoidea: Ixodidae), a Japanese deer parasite with bisexual and parthenogenetic reproduction. The Journal of Parasitology, 569-578.
[2] Chapman, D. D., Shivji, M. S., Louis, E., Sommer, J., Fletcher, H., & Prodöhl, P. A. (2007). Virgin birth in a hammerhead shark. Biology letters, 3(4), 425-427.
[3] Neaves, W. B., & Baumann, P. (2011). Unisexual reproduction among vertebrates. Trends in Genetics, 27(3), 81-88.
[4] Sinclair, E. A., Pramuk, J. B., Bezy, R. L., Crandall, K. A., & Sites Jr, J. W. (2010). DNA evidence for nonhybrid origins of parthenogenesis in natural populations of vertebrates. Evolution, 64(5), 1346-1357.

Feminine, Masculine, and their variations in the animal world
    Do you think that animals can always be separated between male and female? Do you think that relationships between same-sex individuals and gender change are not “natural”? That they are inventions of the modern human being? In this series of three articles, I will present some situations way more complex and intriguing that we can find in nature!
 

    I will start talking about a type of reproduction known as parthenogenesis (from the Greek, “virgin birth”), which is nothing more than the formation of an embryo with no fertilization. That is right: the embryo forms from the mother’s egg cell, without any spermatozoon. This is one of the alternatives to the most common reproduction – male + female =  offspring.
 

    You may be asking yourself, “How have I never heard about this?” If you have ever heard the Brazilian song “Ai ai ai, carrapato não tem pai” (“Yeah yeah yeah, ticks have no dad”), you have already heard about parthenogenesis! There are male and female ticks that can mate and originate male and female little ticks. However, when there are few or no males, females can reproduce without them and, in this case, only females are born [1].
 

    There are also vertebrates capable of reproducing unisexually (that is to say, when only the female participates effectively of the process): lizards, fishes, salamanders, frogs, and birds. In some of these species, the female needs stimulus from the male so that the embryo can form; in others, the male is not necessary – and in both cases, the offspring receives only the genes of the mother.
 

    The discovery of parthenogenesis in sharks happened in a very curious way. In Henry Doorly Zoo’s aquarium, in the United States, there were three female hammerhead sharks, and no males. The three sharks were captured in nature when they were very young and sexually immature, and they lived in the aquarium for three years without any contact with males. Then, on a certain day, there was suddenly a newborn hammerhead shark. Scientists tested many hypothesis and, after a paternity test (or rather, a maternity test), they concluded that one of the females was both the mother and the father of the newborn! [2]
Hammerhead shark. (From: Wikipedia Commons)

 

How do species capable of parthenogenesis originate?
    Most unisexual species came from the mating of two different species.  If you remember your Biology classes at school, when the teacher said that if different species mate, they generate descendants that do not develop or that are sterile (such as the donkey and the mule), do not feel tricked! That is the general rule, and parthenogenesis is one of the possible exceptions.
 

    So, a male lizard of the A species mates with a female of the B species and generates hybrid offspring. Some hybrid females may grow up to be healthy and able to reproduce but, in this case, without any males. In order to better understand how this type of reproduction works, read the article here [3]. There is also the possibility of the occurrence of a number of mutations that make the females of a species able to reproduce without any males [4].
 

    Parthenogenesis has already been observed in around 80 species of vertebrates, in several invertebrates, and in plants, and new species are still being discovered. In the next article, I will discuss another intriguing situation that is very common in nature, in which an individual can be the father and/or the mother: hermaphroditism. Keep following it! 

Written by Patricia Sanae Sujii
Translated by Thomaz Offrede
 
[1] Saito, Y., & Hoogstraal, H. (1973). Haemaphysalis (Kaiseriana) mageshimaensis sp. n.(Ixodoidea: Ixodidae), a Japanese deer parasite with bisexual and parthenogenetic reproduction. The Journal of Parasitology, 569-578.
[2] Chapman, D. D., Shivji, M. S., Louis, E., Sommer, J., Fletcher, H., & Prodöhl, P. A. (2007). Virgin birth in a hammerhead shark. Biology letters, 3(4), 425-427.
[3] Neaves, W. B., & Baumann, P. (2011). Unisexual reproduction among vertebrates. Trends in Genetics, 27(3), 81-88.
[4] Sinclair, E. A., Pramuk, J. B., Bezy, R. L., Crandall, K. A., & Sites Jr, J. W. (2010). DNA evidence for nonhybrid origins of parthenogenesis in natural populations of vertebrates. Evolution, 64(5), 1346-1357.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A genética e a Restauração Florestal

Mudas de araribá em um viveiro de espécies 
nativas da Mata Atlântica.
   A restauração florestal é o processo de recuperação de um ecossistema que foi degradado ou destruído [1]. Atualmente, existem vários projetos de restauração e o número vem crescendo a cada ano. A estimativa de investimentos na restauração florestal ao redor do planeta é de 2 trilhões de dólares por ano, com uma meta de alcançar a recuperação de 150 milhões de hectares (equivalente ao tamanho do estados do Amazonas) até 2020 [2,3].

  A recuperação das florestas é uma prática considerada importante tanto por cientistas como pela população. (Leia mais aqui) Entretanto, o que nem todos sabem é que para restaurar uma floresta não adianta apenas plantar qualquer tipo de árvore, de qualquer jeito. Um exemplo de erro comum da década de 80, era plantar mudas de apenas poucas espécies pioneiras (com crescimento rápido e que toleram bem muito sol e menos água). A princípio parece uma idéia boa, porque obtém-se um resultado rápido. Entretanto, normalmente essas plantas têm naturalmente uma vida curta e não toleram ambientes mais sombreados, como é uma mata mais madura. Então, após 10 a 15 anos, a maioria das plantas morre e não há regeneração (Leia mais aqui)[6].

   Existem vários pesquisadores que estudam qual a melhor maneira de realizar uma restauração florestal para que as florestas possam se manter saudáveis a longo prazo. Eles consideram quais espécies devem compor a mata, como atrair animais e usam até ferramentas de genética para esse fim (saiba mais lendo o Box abaixo). Conhecendo essas informações, eles podem criar planos de restauração que necessitem de menos ações de manejo (plantar mais mudar, podar trepadeiras, etc.) ao longo dos anos e que permitam obter uma floresta que se sustente por muito tempo.

Box. Como a genética ajuda na restauração florestal 
Onde coletar sementes para restauração?
É importante compreender do quão diferentes são os organismos de cada local. Por exemplo, é possível identificar se as plantas de uma mata de onde se coleta sementes são diferentes das plantas de outra mata. Com as novas técnicas de estudo da genética dos organismos, são geradas informações que permitem identificar locais bons para coletar sementes para cada área de restauração de forma a evitar problemas de adaptação ao local de plantio. Também é possível identificar fontes de sementes que possam responder às mudanças climáticas, utilizando projeções futuras do clima [4].


2. Como plantar as mudas? 
É possível analisar como as plantas de uma área se relacionam, ou seja, se existe uma estrutura familiar entre indivíduos próximos. Isso permite planejar de forma mais adequada como distribuir as mudas ao longo da área de restauração [5].

    Apenas alguns municípios no país possuem viveiros de mudas de espécies nativas locais, então para realizar a restauração florestal onde não há um viveiro é necessário importar mudas de outras regiões. Uma dificuldade é que que, às vezes, o local de onde as sementes vêm não possui o mesmo clima ou o mesmo tipo de vegetação que a área onde as mudas serão plantadas. Informações genéticas podem nos ajudar a compreender se as plantas de onde são obtidas as sementes para restauração são adaptadas ao ambiente onde as mudas serão plantadas. Além disso, essas informações também permitem medir a capacidade das mudas formarem populações estáveis ao longo do tempo.

    Há mais de 20 anos, métodos de estudo da genética de plantas, animais e micro-organismos vêm sendo usados para subsidiar a recuperação de florestas. As novas técnicas de leitura das sequências de DNA permitem obter o genoma completo de um organismo em semanas, diferentemente das técnicas mais antigas que exigiam anos para obtenção dessa informação. Também é possível analisar milhares de pontos do DNA de centenas de indivíduos simultaneamente. Antigamente, só era possível obter tamanha quantidade de informação de espécies chamadas modelo por serem muito estudadas, como no caso dos humanos (nos quais se investe muito dinheiro) e da Arabidopsis thaliana, uma plantinha da família da couve (que é um organismo mais simples). Com essas novas técnicas, é possível estudar espécies nativas, sem muito conhecimento prévio, com custo muito reduzido. 

Desafios
    Um dos principais desafios do uso da genética para restauração é compreender a grande complexidade do genoma de algumas espécies. Essa complexidade é gerada naturalmente ao longo da história evolutiva de algumas espécies. Outro desafio é a capacidade limitada de processamento de dados. As novas tecnologias de geração de informações genéticas produzem quantidades enormes de dados. Essas análises demandam tempo, grande capacidade computacional e profissionais capacitados. Também é necessário compreender melhor como os dados obtidos se encaixam nas teoria existentes, para tirar conclusões seguras. Esses estudos estão sendo desenvolvidos continuamente nas mais diversas instituições de pesquisa espalhadas pelo mundo (Descubra mais sobre elas aqui) [7].     


Patricia Sanae Sujii
Fale com a pesquisadora: sujiips@gmail.com

Referências: 
[1] Society for Ecological Restoration (2004) SER International Primer on Ecological Restoration, Society for Ecological Restoration
[2] Cunningham,S.(2008) ReWealth!: StakeYour Claimin the $ 2 Trillion Development Trend That’s Renewing the World. McGraw-Hill
[3] International Union for Conservation of Nature (IUCN)
[4] Byrne, M. et al. (2013) Adaptation to Climate in Widespread Eucalypt Species, National Climate Change Adaptation Research Facility
[5] Mosner, E. et al. (2012) Floodplain willows in fragmented river landscapes: understanding spatio-temporal genetic patterns as basis for restoration plantings. Biol. Conserv. 153, 211–218
[6] Rodrigues, R. R., Lima, R. A., Gandolfi, S., & Nave, A. G. (2009). On the restoration of high diversity forests: 30 years of experience in the Brazilian Atlantic Forest. Biological Conservation, 142(6), 1242-1251.

[7] Williams, A. V. et al. (2014) Next generation restoration genetics: applic’tions and opportunities. Trends in Plant Science. in press.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Florestas são importantes "apenas" para evitar racionamento?

Reservatório municipal de água de Iracemápolis antes e depois da restauração. 
(Fonte: Brancalion e colaboradores[1])

    Diariamente, ouvimos falar que os reservatórios de água do estado de São Paulo estão com níveis muito abaixo do normal. Existem cidades que já enfrentam até racionamento de água. É claro que a falta de chuvas anormal do último verão é um fator muito importante para isso, mas existe uma cidade no interior de São Paulo chamada Iracemápolis, muito próxima a Piracicaba e Rio Claro, que recebeu a mesma quantidade de chuvas e não tem risco de racionamento. Você deve estar se perguntando como isso é possível.
    No início da década de 1980, o reservatório de água de Iracemápolis estava com níveis baixos graças ao acúmulo de sedimentos em seu leito (assoreamento) causado pela erosão dos terrenos ao seu redor, que eram cobertos por plantações de cana-de-açúcar. Para resolver o problema, drenaram o reservatório e elevaram a altura da barragem. Além disso, para evitar futuros problemas similares, foi criado um cinturão de mata ao redor do reservatório (mata ciliar) para proteger as margens, o solo e as nascentes ali presentes. Este plantio de árvores em uma área degradada é chamado de restauração florestal.
    A restauração florestal é reconhecida por pesquisadores como uma das soluções para problemas ambientais relacionados tanto à biodiversidade como à proteção do solo e da água. Porém, o que a população em geral percebe como benefícios de restaurar matas? Um trabalho realizado no município de Iracemápolis (SP) mostrou algumas das respostas para essa pergunta.
    Aproximadamente 22 anos depois, uma pesquisa revelou o que os moradores de Iracemápolis percebem como benefícios da restauração da mata ao redor do reservatório de água municipal. O principal benefício indicado foi uma melhora na quantidade e na qualidade da água disponível. A maioria das pessoas (76%) lembra-se do período de grave escassez de água que ocorreu no passado e que não se repetiu depois da restauração da mata ao redor da represa. Muitos entrevistados (65%) afirmaram que poderiam até pagar impostos extras associados à conta de água, mas só se esse dinheiro fosse investido na restauração florestal no município. Dentre outros benefícios reconhecidos, destaca-se ter uma opção de local para recreação, já que a mata é visitada por pescadores, ciclistas e pessoas que gostam de fazer trilhas. Outros benefícios reconhecidos foram educacional (12%), com visitas de estudantes de diversos níveis de ensino; proteção da biodiversidade (12%); proteção do solo contra erosão (10%), entre outros.








Reservatório municipal de água de Iracemápolis
 em maio de 2014.
    É importante conhecer melhor quais desses benefícios são reconhecidos pela sociedade, pois isso pode ajudar a convencer tomadores de decisão da importância da restauração florestal. Esse conhecimento também pode ser útil para pesquisadores e entidades de proteção ao meio ambiente que desejam obter recursos para futuros projetos. Além disso, compreender essa percepção da população local é muito importante para o desenvolvimento e a implementação de novos projetos de lei, de modo que os problemas ambientais sejam sanados, sem deixar de atender as necessidades da sociedade.
    Agora conhecemos melhor a importância de se restaurar florestas. Na minha próxima matéria, falarei um pouco sobre como usamos informações genéticas para ajudar na restauração florestal.

Por Patricia Sanae Sujii
sujiips@gmail.com

Referência: 
[1] Brancalion PHS, Cardozo IV, Camatta A, Aronson J, Rodrigues RR. 2014. Cultural Ecosystem Services and Popular Perceptions of the Benefits of an Ecological Restoration Project
in the Brazilian Atlantic Forest. Restoration Ecology, 22(1): 65–71.