quinta-feira, 25 de junho de 2015

Vivendo no extremo!

Olá queridos leitores! Para encerrar nosso “Mês temático de Microbiologia”, iremos falar sobre os micro-organismos no meio ambiente. Como vocês já viram nos textos anteriores, encontramos esses organismos no nosso corpo, nas plantas, mas onde mais podemos encontrá-los no ambiente? Se a resposta foi em toda a parte, vocês estão corretos! Mas em todos os lugares mesmo? Sim, existe inclusive um grupo de micro-organismos que conseguem sobreviver nos ambientes mais inóspitos do planeta e que por isso levam o nome de extremófilos.
Os organismos extremófilos podem ser definidos como aqueles que conseguem crescer sob - até mesmo preferindo - condições ambientais extremas, como por exemplo, altas ou baixas temperaturas, baixo pH ou alta salinidade, ou seja, ambientes nos quais apenas um número limitado de espécies consegue viver e prosperar. O primeiro organismo descrito com essas características foi Thermus aquaticus, encontrado por Thomas Brock em nascentes de água com temperaturas superiores a 70 °C no Parque Nacional de Yellowstone nos Estados Unidos da América. Para quem não conhece esse é o parque americano em que o famoso urso Zé Colméia mora nos desenhos animados da Hanna-Barbera.

Fontes termais do Parque Nacional de Yellowstone nos Estados Unidos da América. Fonte: http://www.dreamstime.com/stock-image-yellowstone-national-park-image456241
Até o momento não se acreditava que algum ser vivo pudesse sobreviver durante muito tempo em temperaturas tão elevadas, mas a partir dessa descoberta foram encontradas, nos anos subsequentes, muitas outras espécies de organismos extremófilos. Algumas dessas espécies foram incluídas em um diferente domínio da vida, uma nova forma sugerida recentemente pelos cientistas para classificar os organismos, conhecidos como domínio Archaea (relembre no primeiro texto quem são as arqueas!).
Um exemplo bem interessante de organismo extremófilo é o fungo mitocondrial Crymyces antarcticus encontrado apenas em vales do deserto antártico. Estes fungos vivem sob estresse ambiental, com crescimento ótimo abaixo de 15°C, alta tolerância à acidez, e têm habilidade de lidar com altos níveis de radiação ultravioleta e radioatividade. Estudos recentes mostram que C. antarticus consegue sobreviver em condições especiais semelhantes àquelas encontradas no planeta Marte. Por esse motivo, esse fungo é considerado um organismo modelo para Astrobiologia e estudos com radiação gama.
As características especiais dos micro-organismos extremófilos chamaram a atenção dos cientistas para o uso biotecnológico em diversas áreas, como na indústria de fármacos, na agricultura e na produção de biocatalizadores. Na pesquisa científica, a Taq DNA polimerase termoestável é uma enzima encontrada no organismo Thermus aquaticus (daí o nome Taq) e foi descoberta por Brock. Sua utilização é ampla e de extrema importância nos laboratórios de biologia molecular até os dias de hoje, sendo sua função amplificar fragmentos de DNA pela técnica de PCR (Reações em cadeia de polimerase) para os mais diversos estudos de genética.
Outro exemplo vem do mesmo famoso parque do Zé colméia, onde várias bactérias dos gêneros Clostridium, Anaerobacter, Caloramator, Caldicellulosiruptor e Thermoanaerobacter têm sido identificadas vivendo nas fontes termais e utilizando as plantas que ali vivem para sobreviverem. Essas bactérias possuem enzimas que suportam altas temperaturas e conseguem degradar o material vegetal e utilizá-lo como fonte de alimento. Essas enzimas são de grande interesse da indústria de combustíveis, pois possuem potencial para conversão da celulose, presente nas plantas, em álcool, produzindo os chamados bicombustíveis.
Queridos leitores apresentamos aqui algumas das muitas, digamos, “moradias diferentes” dos micro-organismos! E também contamos um pouco de como esses micro-organismos tão diferentes podem nos auxiliar no desenvolvimento de novas e importantes tecnologias. E lembrem-se sempre: mesmo em um lugar muito diferente a vida está presente!
 Por Nathália Brancalleão
na_brancalleao@hotmail.com
Andressa Peres Bini
andressa.p.bini@gmail.com 

Referências Bibliográficas
Félix, D. J. D. S. (2008). Potencial biotecnológico dos micro-organismos extremófilos.
Onofri, S., Barreca, D., Rabbow, E., de Vera, J. P., Selbmann, L., & Zucconi, L. (2007). Antarctic rock fungi in space and mars simulated conditions. In Geophysical Research Abstracts (Vol. 9, pp. 9782-9783).
Tindall, K. R., & Kunkel, T. A. (1988). Fidelity of DNA synthesis by the Thermus aquaticus DNA polymerase. Biochemistry, 27(16), 6008-6013.
Vishnivetskaya, T. A.,  Hamilton-Brehm, S. D.,  Podar M., Mosher, J. J., Palumbo, A. V.,  Phelps T. J.,  Keller M.,  Elkins J.G. (2015). Community Analysis of Plant Biomass-Degrading Microorganisms from Obsidian Pool, Yellowstone National Park. Microbial Ecology, 69 (2), 333-345



segunda-feira, 22 de junho de 2015

As plantas pegam virose?

     Essa é uma pergunta que muitos certamente não conseguem responder. Sim, as plantas, como muitos outros seres vivos, podem pegar uma virose e ficar doentes. A forma de transmissão pode ser muito parecida com a virose humana: alguns vírus são transmitidos por insetos, outros por contato e até via sementes. Os principais insetos transmissores são os pulgões, as moscas-brancas, as cigarrinhas e os tripes (grupo de espécies de insetos muito pequenos que são pragas de várias plantas). As plantas doentes podem apresentar sintomas diversos, desde infecção sem sintomas até sintomas severos causando a morte da planta. Vejam fotos de duas doenças em tomateiros. A primeira é causada pelo vírus da murcha com mancha do tomateiro (espécie Tomato spotted wilt virus) - doença conhecida como "Vira-cabeça do tomateiro" e a segunda pelo vírus do enrugamento severo do tomateiro (espécie Tomato severe rugose virus) - doença "Mosaico dourado do tomateiro". Essas são as duas doenças mais temidas pelos tomaticultores no Brasil e provocam perdas muito sérias para a nossa agricultura. Os sintomas de virose podem ser vistos em vários órgãos da planta: folhas, caules, flores ou frutos. Em geral, as plantas infectadas por vírus apresentam folhas com alteração de cor, deformação e paralisação de crescimento. 
 
Vira-cabeça do tomateiro

Mosaico dourado do tomateiro


A seguir, respostas às questões mais frequentes em relação às viroses vegetais:
1) Há problema em comer uma folha ou fruto de uma planta com virose?
Não! Não há qualquer risco de um ser humano se infectar com um vírus de planta.
 

2) Uma planta pode se curar de uma infecção, assim como nós? As plantas têm vários mecanismos de defesa e é possível que uma nova brotação saia sadia e cresça de uma planta infectada. Entretanto, esses casos não são muito comuns.
 

3) O que devo fazer com uma planta infectada com um vírus. A melhor opção seria a eliminação desta planta para evitar que outras sadias que estão em volta se infectem.
 

4) O que devo fazer para não ter problemas com viroses nas minhas plantas? São várias as medidas e a maioria tem caráter preventivo: use sementes de boa qualidade, produza as mudas protegidas de insetos, plante em área sem a ocorrência de doenças, escolha a época com menor número de insetos transmissores presentes, controle os insetos transmissores, use material com resistência às viroses que ocorrem na região, elimine as plantas doentes, não transporte plantas de uma região para outra e destrua os restos culturais logo após a colheita.
 

5) As viroses são sérias? Muito sérias. Há culturas em que as viroses causam prejuízos gigantescos, exemplos no feijoeiro, laranjeira, tomateiro, meloeiro, batateira, pimenteira, aboboreira, videira e muitas outras culturas.
 

6) Há muitas doenças causadas por vírus no Brasil? Sim, o Brasil é um país tropical e exportador de produtos agrícolas. A produção de plantas é intensiva e isso faz com que os patógenos se multipliquem e se dispersem com grande facilidade e velocidade durante todos os meses do ano. 

     As viroses representam uma séria ameaça ao Brasil. Com o objetivo de minimizar os problemas causados pelos vírus na agricultura, há pelo menos 60 virologistas dedicados ao estudo dos vírus que infectam plantas no Brasil. Esses virologistas atuam em empresas de pesquisa e entidades de ensino superior e trabalham na identificação dos vírus que causam as doenças, caracterizam as viroses, estudam o processo de infecção dos vírus na planta e a dispersão no meio ambiente e desenvolvem tecnologias para o controle das viroses. O número de virologistas é ainda baixo em vista da diversidade e da importância da agricultura no Brasil. Há uma grande demanda de estudantes interessados em virologia vegetal nas universidades que oferecem cursos de pós-graduação em Fitopatologia. 


por Dra. Alice Kazuko Inoue Nagata
alicenag@gmail.com

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Os micro-organismos endofíticos e suas interações com as plantas

Os micro-organismos que habitam o interior das plantas são chamados de micro-organismos endofíticos. Eles podem ser encontrados em tecidos e órgãos vegetais como raízes, folhas, frutos e sementes. A comunidade endofítica é constituída principalmente por fungos e bactérias que, ao contrário dos micro-organismos patogênicos, não causam prejuízos aos seus hospedeiros. Para termos uma noção do tamanho desta comunidade, conhecemos hoje cerca de seis mil e quinhentos fungos endofíticos isolados de árvores e de herbáceas, porém acredita-se que este número seja muito maior, e ainda estamos longe de descobrir todas as espécies bacterianas e fúngicas associadas às plantas. Considerando que existam aproximadamente 300.000 espécies de plantas superiores, e que uma planta individual é colonizada por vários endófitos, a oportunidade de se descobrir novos e interessantes micro-organismos é muito grande.
Os efeitos dos micro-organismos endofíticos nas plantas são variados. Atualmente, a atenção tem sido voltada ao estudo de endofíticos que podem atuar no controle biológico de doenças vegetais e também aos que tem a capacidade de promover o crescimento vegetal. Além disso, esses micro-organismos constituem um grupo ainda pouco estudado de organismos produtores de metabólitos secundários com possível aplicação biotecnológica.
Por ocuparem um nicho ecológico semelhante àqueles ocupados por patógenos, os micro-organismos endofíticos apresentam grande potencial para o controle biológico. Muitos apresentam produção de toxinas e compostos secundários que protegem a planta hospedeira do ataque de fungos e bactérias fitopatogênicas, insetos e até mesmo de outros animais herbívoros. Os principais compostos produzidos por estes micro-organismos são os antifúngicos, antibióticos, alcalóides e as neurotoxinas, tóxicos principalmente a insetos. Além disso, existem diversos fungos entomopatogênicos, ou seja, que conseguem colonizar insetos através de seu tegumento (ou “pele” dos insetos) por onde vai crescendo, ramificando-se internamente, prejudicando os processos fisiológicos dos insetos, que acabam morrendo.
Por ser um agente natural, o controle biológico surge como uma alternativa ao uso de agroquímicos como os pesticidas que, embora eficientes, apresentam riscos tanto aos trabalhadores que fazem sua aplicação no campo, como também aos consumidores desses produtos. Em geral, quando um micro-organismo é capaz de causar danos ou influenciar na ação de um determinado patógeno, ele se apresenta como um agente específico, ou seja, ele realiza esta reação apenas contra uma determinada espécie ou gênero. Essa característica de especificidade é extremamente importante pois, além de não contaminar o meio ambiente, esses micro-organismos, de maneira geral, não apresentam a mesma capacidade de ação contra outros animais.
Existem muitas espécies de endofíticos utilizados no controle biológico, como é o caso de Pseudomonas sp., Metarhizium anisopliae, Zoophthora radicans, Bacillus thuringiensis, dentre outras. Consequentemente, existem diferentes formas de aplicação destes micro-organismos, alguns são aplicados nas sementes, outros nas folhas, outros após a colheita, variando conforme o patógeno que se pretende combater.
A estratégia de aplicação de micro-organismos que beneficiem o crescimento de plantas também é bastante promissora. Este tipo de ação visa à substituição parcial ou total de fertilizantes e defensivos químicos, os quais estão cada vez mais escassos e caros, além de causarem vários problemas à saúde humana e ao meio ambiente.
A promoção do crescimento vegetal por micro-organismos endofíticos pode ser o resultado de diversos mecanismos como: indução de resistência sistêmica da planta contra fitopatógenos, fornecimento de substâncias reguladoras do crescimento dos micro-organismos para as plantas (como o ácido-indol-acético (AIA) e aminoácidos). Alguns endófitos também são capazes de aumentar a disponibilidade de nutrientes através de processos como a fixação biológica de nitrogênio, solubilização de fosfato mineral e produção de sequestradores de ferro do solo, como os sideróforos.
Os efeitos no crescimento das plantas são variados, podendo influenciar no crescimento das raízes, da parte aérea, no aumento do peso da matéria seca, na área foliar, na velocidade de germinação das sementes até mesmo na produtividade final.
Pseudomonas, Bacillus, Burkholderia e Streptomyces estão entre os principais gêneros bacterianos empregados na agricultura visando a promoção de crescimento das mais diversas culturas vegetais.
Tendo em vista a capacidade que os micro-organismos possuem de produzir compostos benéficos ao crescimento e desenvolvimento de plantas, seus metabólitos estão sendo cada vez mais estudados para tentar atender à crescente necessidade por novas drogas, agentes quimioterápicos e agroindustriais que sejam, ao mesmo tempo, mais efetivos, menos tóxicos e que apresentem menor impacto ambiental.
O termo utilizado para busca de fontes biológicas com características que podem ter valor para o desenvolvimento comercial é “bioprospecção”, ou seja, a bioprospecção representa o processo que busca no meio ambiente organismos, enzimas ou compostos que possam dar origem a produtos de interesse, como medicamentos, inseticidas e defensivos agrícolas. Desta forma, o desenvolvimento de novos produtos ou processos na área da biotecnologia, tendo como base a bioprospecção, só é possível graças à biodiversidade microbiana existente, pois a mesma nos fornece inúmeras possibilidades de desenvolvimento às novas aplicações biotecnológicas.
Essas são apenas algumas das aplicações que os micro-organismos que vivem associados às plantas podem ter. Podemos notar que seus benefícios, sejam eles diretos ou indiretos, incluem não somente o reino vegetal, mas também todos nós.

Por Bruna Batista
bruna.biotec@hotmail.com

Jaqueline Almeida
jackalmeidajau@hotmail.com

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Eu, ecossistema


Quando perguntamos às pessoas a relação entre os micro-organismos e o corpo humano, o senso comum é de que esses pequenos seres vivos só nos causam doenças e outros problemas. Mas a ciência nos explica que isso não é verdade! Fungos, bactérias e vírus podem ser a causa de enfermidades, mas o nosso corpo é colonizado por milhões de outros micro-organismos que nos trazem muitos benefícios. Todos nós somos um vasto ecossistema com uma diversidade biológica muito grande. No texto de hoje do especial temático, vamos entender quem são esses micro-organismos, como nós os adquirimos e quais os benefícios que eles nos trazem; além disso, abordaremos como a ciência os estuda. Pronto para entender mais sobre o microbioma do seu corpo?

A cada 1 célula humana presente em nosso corpo outras 10 são de micro-organismos, ou seja, somos um aglomerado de células humanas, de fungos, bactérias e também vírus; sendo este conjunto todo denominado microbioma humano. A aquisição desses ocorre depois que nascemos. Quando estamos na barriga de nossa mãe somos praticamente estéreis, ou seja, sem microbioma próprio, mas a partir do momento que passamos pelo canal vaginal (no caso do parto normal) ou somos expostos ao ambiente (como na cesárea) começamos a adquirir esses micro-organismos. Estudos mostram que quando um bebê nasce seu microbioma começa a se desenvolver graças à amamentação, ou seja, a colonização do sistema digestório dá-se pelos micro-organismos oriundos da mãe. Bebês que se alimentam do leite materno ficam mais saudáveis e menos propensos a alergias, diarréias e outras enfermidades graças ao microbioma que ele ganha de sua mãe! Ao longo da vida adulta, conforme crescemos e nos desenvolvemos, tanto nossa alimentação quanto as pessoas com que convivemos e local onde moramos, são determinantes na formação e estabelecimento do nosso microbioma.

Mas onde podemos encontrá-los em nosso corpo? Eles estão presentes em toda a superfície que está em contato com o ambiente, como na nossa pele, nariz, ouvido, olhos, sistema genital e gastrointestinal. Em todos esses locais, a quantidade e variedade de micro-organismos muda. A pele, o maior órgão de contato com o meio externo, possui milhares de micro-organismos, sendo que as regiões úmidas como axilas, virilhas e dedos dos pés possuem uma maior quantidade e variedade de espécies do que regiões oleosas. Nos olhos, especialmente no tecido conjuntivo que forra a parte externa do olho e a parte interior das pálpebras, a quantidade de micro-organismos é pequena. Isso ocorre porque as lágrimas, que mantêm esse tecido úmido, contêm substâncias bactericidas que dificultam o crescimento dos mesmos.

Dos sistemas do corpo, o sistema gastrointestinal é o que possui a maior diversidade de micro-organismos, por causa do seu grande tamanho (o que gera uma longa superfície onde eles podem se aderirem) e da grande disponibilidade de nutrientes. Ao longo desse sistema o microbioma também varia. No estômago, por exemplo, a presença do suco gástrico que auxilia na digestão, dificulta o crescimento de vários micro-organismos. Já a porção final do intestino, o cólon, é a parte com maior número de micro-organismos. É importante lembrar que essa variação na composição do microbioma nas diversas partes do corpo ocorre devido a diversos fatores como a temperatura, pH, umidade, oxigenação, nutrientes e imunidade.

O conjunto dos micro-organismos que habitam nosso corpo é denominados de microbioma residente. A maioria deles vivem em harmonia com o nosso organismo, sem causar danos ou doenças, sendo consideradas comunidades microbiana estáveis. Entre os vários benefícios desse microbioma podemos citar seu papel na aquisição de nutrientes, no caso dos micro-organismos do intestino, os quais são capazes de sintetizar aminoácidos essenciais e vitaminas, além de degradar muitos componentes não que não seriam absorvidos pelas células humanas. Além disso, o microbioma auxilia na proteção contra patógenos e atua na modulação do sistema imune.

O termo metagenômica compreende a ciência que estuda o material genético de amostras ambientais para acessar os micro-organismos ali presentes. Primeiramente temos que pensar que todos os micro-organismos possuem DNA. Como, nos dias de hoje, não temos tecnologia e/ou conhecimento suficientes para cultivá-los em laboratório, estudar a comunidade microbiana existente numa amostra utilizando o DNA presente na mesma foi uma saída engenhosa que nos permitiu conhecer melhor os micro-organismos existentes. Os cientistas utilizam a técnica de sequenciamento de DNA para acessar a informação presente em uma amostra de interesse. A partir disto, pode-se predizer desde as espécies presentes até a função desempenhada por elas.

Mas quão estáveis são essas comunidades? As alterações em nossa saúde podem causar o rompimento do equilíbrio entre os micro-organismos e o nosso corpo. A maioria das infecções conhecidas são causadas por organismos oportunistas - aqueles que estão no microbioma normal do corpo humano - e não por patógenos estritos, ou seja, aqueles que obrigatoriamente parasitam o corpo e resultam em doença. Uma simples eliminação do microbioma normal faz com que nos tornemos mais suscetíveis a aquisição de infecções tanto por bactérias e, fungos como protozoários oportunistas. A terapia com antibióticos, por exemplo, pode causar efeitos adversos que permanecem de forma prolongada no microbioma humano, inibindo inclusive os micro-organismos necessários ao funcionamento adequado e portanto abre portas a infecções mais severas. Devemos pensar que as mudanças no microbioma são a causa e não a consequência das modificações fisiológicas dos organismos.
O conhecimento prévio a respeito da composição dessa população microbiana subestimou a população de micro-organismos, pois apenas uma pequeníssima proporção deles pode ser cultivada em condições de laboratório. O projeto Microbioma Humano (“Human Microbiome Project” – HMP) foi criado para estudar detalhadamente esse microbioma e analisar seu papel na saúde e na doença dos seres humanos. Muitos pesquisadores pelo mundo todo se esforçam para decifrar o genoma coletivo do microbioma humano. A metagenômica é o nome dado a uma forma de análise do material genético de micro-organismos a partir de uma amostra direta do ambiente de estudo, ou seja, do nosso corpo. Assim os micro-organismos podem ser detectados sem precisar de cultivo com meios de cultura.
Sabe-se que mais de 50% de todo microbioma humano é desconhecido e ainda, 80% das bactérias identificadas pela técnica de metagenômica não podem ser cultivadas em laboratórios, em outras palavras, sem a metagenômica conheceríamos menos de ¼ do microbioma que compõe as partes do nosso corpo.
O nosso texto especial temático “Eu, ecossistema” traz os principais benefícios do microbioma normal, composto por milhares de micro-organismos benéficos à nossa saúde. Além disso, ressalta também que diferentes e pequeninos seres-vivos compartilham o mesmo espaço com nossas células em cada região do nosso corpo e apresentam um papel crítico na sobrevivência de nós, seres-humanos, ao participarem de atividades necessárias a saúde como digestão, crescimento, proteção contra agentes infecciosos e também na resposta imune. Visto a especificidade dos pequeninos seres, o estado de saúde do hospedeiro é de extrema importância neste momento para o estabelecimento (ou não) de uma infecção.
Como podemos ver o senso de que os micro-organismos só nos causam coisas ruins pode ser comum mas a ciência têm inúmeros fatos provando o contrário! Agora que você conhece mais seu corpo, não se esqueça dos outros 90% que não são você mas fazem parte de você!
Gostou do texto? Tem dúvidas ou sugestões? Comente abaixo ou nos mande um email. Sua opinião é sempre bem-vinda!

Até a próxima!

Por Nathália de Moraes
nathalia.esalq.bio@gmail.com
e Mariana Lopes
mslopes25@gmail.com
e Sarina Tsui
tsui.sarina@gmail.com

Referências
Arnold, C. (2013). Gut feelings: the future of psychiatry may be inside your stomach. Disponível em: http://www.theverge.com/2013/8/21/4595712/gut-feelings-the-future-of-psychiatry-may-be-inside-your-stomach
Eles estão entre nós. Disponível em http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT987532-1948-2,00.html. Acesso em 09/03/2015
Gonçalves, F. G. Flora normal. InfoEscola. Disponível em http://www.infoescola.com/microbiologia/flora-normal/. Acesso em: 09 mar. 2015.
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