Nessa segunda matéria da série sobre a grande diversidade de comportamentos reprodutivos que existem na natureza, vou falar sobre o hermafroditismo. Um organismo hermafrodita é simplesmente o que possui tanto órgão reprodutor masculino como feminino. Este fato é muito comum na natureza, se excluirmos os insetos da conta, um terço dos animais encontrados no planeta são hermafroditas e essa proporção é ainda maior em plantas! [1]
Existem muitos estudos sobre as vantagens e desvantagens do hermafroditismo. Uma das vantagens é a economia de energia para encontrar um parceiro reprodutivo. Imagine uma lesma (pequena e lenta) no meio de uma floresta tendo que procurar outra lesma para se reproduzir. Para sorte dela, caso ela não encontre um parceiro, não haverá problemas - as lesmas são hermafroditas! No entanto, elas ainda são capazes de realizar a fecundação cruzada – onde os gametas (óvulo e espermatozoide) são originados de indivíduos distintos – e como naturalmente as lemas produzem os dois tipos de gametas, os dois indivíduos farão papéis de “macho” e “fêmea”.
A maior parte das espécies de plantas são hermafroditas. Se você observa uma flor e vê as anteras cheios de pólen e no meio deles um filetinho com a ponta diferente, que chamamos de estigma, provavelmente você está observando um organismo hermafrodita (veja a foto abaixo). As plantas não são capazes de se moverem para buscar um parceiro reprodutivo, elas dependem dos polinizadores ou do vento para reprodução sexuada. Desta forma, o hermafroditismo é uma vantagem especialmente grande quando polinizadores não estão disponíveis ou quando a espécie é rara, o que torna ainda mais difícil para o polinizador levar o pólen de uma planta para outra [2].
Entre os vertebrados, foram descobertos apenas peixes hermafroditas. A espécie
Hypoplectrus nigricans, também conhecida como black hamlet (veja foto abaixo), habita corais próximos à costa da América Central e é hermafrodita [3]. Diferente das lesmas, esse peixe não é capaz de se auto-fecundar, então um indivíduo sozinho não é capaz de se re produzir.
Assim como todos os peixes ósseos, o black hamlet realiza fecundação externa. Saiba mais sobre esse tipo de fecundação lendo o box. Na maioria das espécies de peixes, o macho realiza uma dança do acasalamento para estimular a fêmea. Entretanto, a dança dos black hamlets é feita pelo peixe que vai inicialmente fazer “papel de fêmea”, indicando que ela tem óvulos maduros, ou seja, prontos para fecundação. Após esse ritual de "corte nupcial”, ocorrem vários eventos de fertilização em sequência. Em cada evento, um dos peixes libera uma parte de seus óvulos e o outro libera parte dos espermatozóides para formação de ovos. A cada fertilização, os peixes alternam o papel como macho e fêmea e, em geral, os peixes se mantêm com o mesmo parceiro até liberar todos os gametas produzidos.
Você pode estar se perguntando: se os peixes costumam ficar com o mesmo par até o fim dos eventos de fertilização, por que ter todo esse trabalho de alternar os papéis? A produção de óvulos tem um custo energético muito maior do que a produção de espermatozóides. Por isso, atuar tanto como macho quanto como fêmea garante um gasto de energia mais equilibrado. Então, a alternância de função (macho/fêmea) ao longo do processo de reprodução diminui a chance de algum dos dois trapacear e atuar apenas como doador de espermatozóides, gastando menos energia que seu par.
Todos os casos apresentados aqui são de hermafroditismo simultâneo, o que quer dizer que um indivíduo é macho e fêmea ao mesmo tempo. Existem também hermafroditas sequenciais, que são animais capazes de trocar de sexo ao longo da vida. Quer saber mais sobre quem são esses animais e como isso ocorre? Aguarde a última matéria desta série!
Referências
[1] Lehtonen, J., Jennions, M. D., & Kokko, H. (2012). The many costs of sex. Trends in ecology & evolution, 27(3), 172-178.
[2] Bawa, K. S., & Beach, J. H. (1981). Evolution of sexual systems in flowering plants. Annals of the Missouri Botanical Garden, 254-274.
[3] Fischer, E. A. (1980). The relationship between mating system and simultaneous hermaphroditism in the coral reef fish, Hypoplectrus nigricans (Serranidae). Animal Behaviour, 28(2), 620-633.
Existem muitos estudos sobre as vantagens e desvantagens do hermafroditismo. Uma das vantagens é a economia de energia para encontrar um parceiro reprodutivo. Imagine uma lesma (pequena e lenta) no meio de uma floresta tendo que procurar outra lesma para se reproduzir. Para sorte dela, caso ela não encontre um parceiro, não haverá problemas - as lesmas são hermafroditas! No entanto, elas ainda são capazes de realizar a fecundação cruzada – onde os gametas (óvulo e espermatozoide) são originados de indivíduos distintos – e como naturalmente as lemas produzem os dois tipos de gametas, os dois indivíduos farão papéis de “macho” e “fêmea”.
A maior parte das espécies de plantas são hermafroditas. Se você observa uma flor e vê as anteras cheios de pólen e no meio deles um filetinho com a ponta diferente, que chamamos de estigma, provavelmente você está observando um organismo hermafrodita (veja a foto abaixo). As plantas não são capazes de se moverem para buscar um parceiro reprodutivo, elas dependem dos polinizadores ou do vento para reprodução sexuada. Desta forma, o hermafroditismo é uma vantagem especialmente grande quando polinizadores não estão disponíveis ou quando a espécie é rara, o que torna ainda mais difícil para o polinizador levar o pólen de uma planta para outra [2].
Flores hermafroditas com destaque para a estrutura reprodutora feminina que recebe o pólen (estigma) e para estrutura masculina que produz o pólen (antera). |
Entre os vertebrados, foram descobertos apenas peixes hermafroditas. A espécie
Hypoplectrus nigricans, também conhecida como black hamlet (veja foto abaixo), habita corais próximos à costa da América Central e é hermafrodita [3]. Diferente das lesmas, esse peixe não é capaz de se auto-fecundar, então um indivíduo sozinho não é capaz de se re produzir.
Foto: Burek, Joyce/Frank (fonte: http://www.fishbase.org/) |
Você pode estar se perguntando: se os peixes costumam ficar com o mesmo par até o fim dos eventos de fertilização, por que ter todo esse trabalho de alternar os papéis? A produção de óvulos tem um custo energético muito maior do que a produção de espermatozóides. Por isso, atuar tanto como macho quanto como fêmea garante um gasto de energia mais equilibrado. Então, a alternância de função (macho/fêmea) ao longo do processo de reprodução diminui a chance de algum dos dois trapacear e atuar apenas como doador de espermatozóides, gastando menos energia que seu par.
Todos os casos apresentados aqui são de hermafroditismo simultâneo, o que quer dizer que um indivíduo é macho e fêmea ao mesmo tempo. Existem também hermafroditas sequenciais, que são animais capazes de trocar de sexo ao longo da vida. Quer saber mais sobre quem são esses animais e como isso ocorre? Aguarde a última matéria desta série!
Box Tipos de fecundação: externa e interna A maioria dos peixes produzem ovos para se reproduzir – que é a junção de óvulo + espermatozóide. Esses ovos podem ser formados dentro do corpo da mãe, como é o caso de alguns tubarões, ou na água onde os animais se encontram. A fecundação interna ocorre quando o macho introduz os espermatozóides dentro do corpo da fêmea, onde são formados os embriões. Além dos tubarões, diversos animais realizam a fecundação interna, como aves e mamíferos (incluindo nós, humanos). Quando os ovos são formados fora do corpo da mãe, dizemos que ocorre a fecundação externa. Neste caso, macho e fêmeas se encontram e liberam os óvulos e os espermatozóides na água. Os gametas liberados se encontram e formam-se os embriões. Esse tipo de fecundação é observado também em anfíbios, como sapos e pererecas. |
por Patricia Sanae Sujii
sujiips@gmail.com
[1] Lehtonen, J., Jennions, M. D., & Kokko, H. (2012). The many costs of sex. Trends in ecology & evolution, 27(3), 172-178.
[2] Bawa, K. S., & Beach, J. H. (1981). Evolution of sexual systems in flowering plants. Annals of the Missouri Botanical Garden, 254-274.
[3] Fischer, E. A. (1980). The relationship between mating system and simultaneous hermaphroditism in the coral reef fish, Hypoplectrus nigricans (Serranidae). Animal Behaviour, 28(2), 620-633.
Male and female at the same time
In the second article of the series about the big diversity of reproductive behaviors that exists in nature, I will talk about hermaphroditism. A hermaphrodite individual is simply the one that has both male and female reproductive organs. This is a very common fact in nature – if we do not count insects, one third of the animals found on Earth are hermaphrodites, and this rate is even higher in plants! [1]
There are many studies about the advantages and the disadvantages of hermaphroditism. One of the advantages is the energy saving when looking for a reproductive partner. Imagine a slug (small and slow) in the middle of a forest searching for another slug to be able to reproduce. Lucky for the slug, if it does not find a partner, there will be no problem – slugs are hermaphrodites! However, they are still able to make cross-fertilization – when the gametes (egg and spermatozoon) come from different individuals – and, since slugs naturally produce both types of gametes, the two organisms will play the “male” and the “female” roles.
Most plant species are hermaphrodite. If you look at a flower and see the anthers full of pollen and, among them, a small ramification with a different tip, which we call stigma, you are probably before a hermaphrodite organism (see picture below). Plants are not able to move to look for a reproductive partner – they depend on pollinators or on the wind for sexual reproduction. Thus, hermaphroditism is a particularly big advantage when there are no pollinators available or when the species is rare, which makes it even harder for the pollinator to take pollen from one plant to the other. [2]
Hermaphrodite flowers with focus on the female reproductive structure that receives pollen (stigma) and the male structure that produces pollen (anther). |
Just as all bony fishes, black hamlet makes external fertilization. You can know more about this kind of fertilization by reading the box. In most fish species, the male does a mating dance in order to stimulate the female. However, the black hamlet’s dance is done by the individual who will initially play the “female role”, showing that it has mature eggs, that is to say, eggs that are ready for fertilization. After this ritual of “courtship”, several fertilization events happen in a sequence. In each event, one of the individuals releases a part of its female gametes, and the other one, a part of its male gametes, in order to form eggs. In each fertilization, both fish alternate the male and the female roles, and they usually stay with the same partner until they have released all of the produced gametes.
You may be wondering, if the fish use to stay with the same partner until the end of the fertilization events, why go through all this trouble of alternating roles? The production of female gametes costs a lot more energy than the production of spermatozoon. Hence, acting as both a female and a male guarantees a more balanced expense of energy. So alternating functions (male/female) throughout the reproduction process reduces the chances that one of the fish will cheat and act only as a spermatozoon donator, saving more energy than its partner does.
All the cases presented here concern simultaneous hermaphroditism, which means that an individual is both male and female at the same time. There are also sequential hermaphrodites, which are able to change sex throughout their lives. Do you want to know more about what these animals are and how this occurs? Look forward to the last article of the series!
Box Types of fertilization: internal and external. Most fish produce eggs to reproduce – which is the combination of female + male gametes. These eggs can form inside the body of the mother, as it happens with some sharks, or in the water where the animals meet. Internal fertilization occurs when the male introduces spermatozoon in the female’s body, where the embryos form. Besides sharks, several animals do internal fertilization, such as birds and mammals (including us, humans). When the eggs form outside of the mother’s body, we call this external fertilization. In this case, male and female meet and release their gametes in the water. These gametes meet and form the embryos. This kind of fertilization is also observed in amphibians, such as frogs and tree frogs. |
Written by Patricia Sanae Sujii
Translated by Thomaz Offrede
Translated by Thomaz Offrede
References:
[1] Lehtonen, J., Jennions, M. D., & Kokko, H. (2012). The many costs of sex. Trends in ecology & evolution, 27(3), 172-178.
[2] Bawa, K. S., & Beach, J. H. (1981). Evolution of sexual systems in flowering plants. Annals of the Missouri Botanical Garden, 254-274.
[3] Fischer, E. A. (1980). The relationship between mating system and simultaneous hermaphroditism in the coral reef fish, Hypoplectrus nigricans (Serranidae). Animal Behaviour, 28(2), 620-633.
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