Uma forma diferente de enxergar o mundo
A
forma de detecção da posição e distância de
objetos e animais no ambiente de alguns mamíferos - como no caso de morcegos,
golfinhos e baleias - é chamada de ecolocalização.
Essa forma de localização é feita través de emissão de som ou ondas
ultrassônicas, seja no ar ou na água, baseando-se na análise ou cronometragem
do tempo gasto para que o som emitido atinja o alvo e volte à fonte na forma de
eco. Com essa capacidade os animais conseguem calcular a distância que
determinado objeto encontra-se dele, permitindo assim a locomoção mais ágil e
também a captura presas de forma mais eficiente.
Daniel Kish andando de bike pelas ruas de Los Angeles |
Essa
capacidade é extremamente importante para esses animais quando a visão é
insuficiente, como é o caso dos morcegos que possuem hábitos noturnos, bem como
para os animais marinhos que vivem em águas turvas. Alguns pássaros também utilizam a ecolocalização para voarem com
eficiência em cavernas.
Com base nessa capacidade de percepção de objetos a grandes
distâncias é que se criou os sonares, muito utilizados hoje principalmente para
identificar objetos no fundo do mar. O equipamento emite ondas e de acordo com
o tempo que o eco leva para voltar até ele, ele estima a distância entre o
objeto e o equipamento. Através da variação do eco a técnica de ecolocalização
consegue também identificar diferentes superfícies, tamanhos, densidade e
outras características do objeto.
Foi baseada nesta técnica que surgiu a ecolocalização humana,
utilizada por pessoas cegas. Através de sons produzidos por elas, elas calculam
o tempo que este som demora a retornar até elas, permitindo o cálculo da distância
aproximada dos objetos. Essas pessoas “enxergam” o mundo através de “cliques”
com a língua, literalmente.
Daniel Kish é o responsável pelo desenvolvimento da técnica
de ecolocalização humana. Ele é completamente cego
desde quando era bebê, mas isso não o impediu de levar uma vida normal. Através
estalos que faz com a língua, ele é capaz de criar um retrato mental de tudo
que o cerca.
Carros,
árvores, portas, postes na calçada, tudo é identificado e mapeado em seu
cérebro usando informações obtidas a partir do som que ecoa de uma série de
estaladas de língua que ele faz duas ou três vezes por segundo. Essa capacidade
permite que ele leve uma vida ativa, que incluem desde trilhas a prática de mountain bike! Além da pratica de esportes, Kish diz que sua técnica permite que ele
aprecie a beleza das coisas ao seu redor, por exemplo, ele diz que consegue
estalar a língua em direção a um prédio e perceber se ele conta com ornamentos
ou não.
Interessados
em estudar o quanto seres humanos podem compensar a falta de visão através
desta técnica, uma equipe liderada por Lutz Wiegrebe, neurologista da
Universidade Ludwig Maximilian de Monique [1], recrutou 8 estudantes com visão
normal para aprender a técnica de ecolocalização. Posteriormente foram
colocados, com vendas, em um longo corredor para que tentassem identificar a
distância que estavam das paredes e se locomovessem corretamente através do uso
da técnica.
Todos
apresentaram bons resultados após 2 ou 3 três semanas de treinamento,
conseguindo se orientar através dos cliques, sem esbarrar em nenhuma parede. O
que indicou que todos podem desenvolver a habilidade, pessoas que possuem deficiência
visual ou não.
Em
outro estudo, realizado por uma equipe de cientistas canadenses [2] a fim de
compreender como o cérebro interpreta os resultados das vocalizações, comparou-se
a atividade cerebral de 2 voluntários cegos que se diziam capazes de realizar
ecolocalização com a de 2 pessoas com visão normal que não apresentavam a mesma
capacidade.
Todos
ouviram duas gravações, uma contendo ecos e outra os ecos foram retirados. A análise
da atividade cerebral revelou que apenas os cegos, ao ouvir gravação com ecos,
tiveram atividade registrada no sulco calcarino, ou seja, a parte do cérebro
associada ao processo de visão. Nenhuma atividade diferente foi notada no
córtex auditivo dos participantes. Com isso confirmou-se que eles realmente
conseguem formar imagens do ambiente através dos ecos.
Kish
ensina sua técnica de ecolocalização, que ele chama de FlashSonar, a pessoas cegas de todo o mundo. Mais de 500 estudantes de 25
países já realizaram o curso que é oferecido por uma organização sem fins
lucrativos chamada World Access for the
Blind (Acesso Mundial para os Cegos). Para quem quiser saber um pouco mais
sobre ele: https://www.youtube.com/watch?v=ob-P2a6Mrjs
Por
Jaqueline Almeida
jaqueline.raquel.almeida@usp.br
Referências
[1]: Wallmeier, L., Wiegrebe, L.
(2014). Self-motion
facilitates echo-acoustic orientation in humans. R. Soc. open sci. 2014 1
140185; DOI: 10.1098/rsos.
[2]: Thaler, L., Arnott, S.R. & Goodale, M. A. (2011). Neural correlates of natural human echolocation in early and late blind
echolocation experts. PLoS
ONE, 6(5): e20162. doi:10.1371/journal.pone.0020162.
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