quinta-feira, 7 de maio de 2015

Uma forma diferente de enxergar o mundo

A forma de detecção da posição e distância de objetos e animais no ambiente de alguns mamíferos - como no caso de morcegos, golfinhos e baleias - é chamada de ecolocalização. Essa forma de localização é feita través de emissão de som ou ondas ultrassônicas, seja no ar ou na água, baseando-se na análise ou cronometragem do tempo gasto para que o som emitido atinja o alvo e volte à fonte na forma de eco. Com essa capacidade os animais conseguem calcular a distância que determinado objeto encontra-se dele, permitindo assim a locomoção mais ágil e também a captura presas de forma mais eficiente.

Daniel Kish andando de bike pelas ruas de Los Angeles

Essa capacidade é extremamente importante para esses animais quando a visão é insuficiente, como é o caso dos morcegos que possuem hábitos noturnos, bem como para os animais marinhos que vivem em águas turvas. Alguns pássaros também utilizam a ecolocalização para voarem com eficiência em cavernas.
Com base nessa capacidade de percepção de objetos a grandes distâncias é que se criou os sonares, muito utilizados hoje principalmente para identificar objetos no fundo do mar. O equipamento emite ondas e de acordo com o tempo que o eco leva para voltar até ele, ele estima a distância entre o objeto e o equipamento. Através da variação do eco a técnica de ecolocalização consegue também identificar diferentes superfícies, tamanhos, densidade e outras características do objeto. 
Foi baseada nesta técnica que surgiu a ecolocalização humana, utilizada por pessoas cegas. Através de sons produzidos por elas, elas calculam o tempo que este som demora a retornar até elas, permitindo o cálculo da distância aproximada dos objetos. Essas pessoas “enxergam” o mundo através de “cliques” com a língua, literalmente.
Daniel Kish é o responsável pelo desenvolvimento da técnica de ecolocalização humana. Ele é completamente cego desde quando era bebê, mas isso não o impediu de levar uma vida normal. Através estalos que faz com a língua, ele é capaz de criar um retrato mental de tudo que o cerca.
Carros, árvores, portas, postes na calçada, tudo é identificado e mapeado em seu cérebro usando informações obtidas a partir do som que ecoa de uma série de estaladas de língua que ele faz duas ou três vezes por segundo. Essa capacidade permite que ele leve uma vida ativa, que incluem desde trilhas a prática de mountain bike! Além da pratica de esportes, Kish diz que sua técnica permite que ele aprecie a beleza das coisas ao seu redor, por exemplo, ele diz que consegue estalar a língua em direção a um prédio e perceber se ele conta com ornamentos ou não.
Interessados em estudar o quanto seres humanos podem compensar a falta de visão através desta técnica, uma equipe liderada por Lutz Wiegrebe, neurologista da Universidade Ludwig Maximilian de Monique [1], recrutou 8 estudantes com visão normal para aprender a técnica de ecolocalização. Posteriormente foram colocados, com vendas, em um longo corredor para que tentassem identificar a distância que estavam das paredes e se locomovessem corretamente através do uso da técnica.
Todos apresentaram bons resultados após 2 ou 3 três semanas de treinamento, conseguindo se orientar através dos cliques, sem esbarrar em nenhuma parede. O que indicou que todos podem desenvolver a habilidade, pessoas que possuem deficiência visual ou não.
Em outro estudo, realizado por uma equipe de cientistas canadenses [2] a fim de compreender como o cérebro interpreta os resultados das vocalizações, comparou-se a atividade cerebral de 2 voluntários cegos que se diziam capazes de realizar ecolocalização com a de 2 pessoas com visão normal que não apresentavam a mesma capacidade.
Todos ouviram duas gravações, uma contendo ecos e outra os ecos foram retirados. A análise da atividade cerebral revelou que apenas os cegos, ao ouvir gravação com ecos, tiveram atividade registrada no sulco calcarino, ou seja, a parte do cérebro associada ao processo de visão. Nenhuma atividade diferente foi notada no córtex auditivo dos participantes. Com isso confirmou-se que eles realmente conseguem formar imagens do ambiente através dos ecos.
Kish ensina sua técnica de ecolocalização, que ele chama de FlashSonar, a pessoas cegas de todo o mundo. Mais de 500 estudantes de 25 países já realizaram o curso que é oferecido por uma organização sem fins lucrativos chamada World Access for the Blind (Acesso Mundial para os Cegos). Para quem quiser saber um pouco mais sobre ele: https://www.youtube.com/watch?v=ob-P2a6Mrjs


Por Jaqueline Almeida
jaqueline.raquel.almeida@usp.br


Referências
[1]: Wallmeier, L., Wiegrebe, L. (2014). Self-motion facilitates echo-acoustic orientation in humans. R. Soc. open sci. 2014 1 140185; DOI: 10.1098/rsos.

[2]: Thaler, L., Arnott, S.R. & Goodale, M. A. (2011). Neural correlates of natural human echolocation in early and late blind echolocation experts. PLoS ONE, 6(5): e20162. doi:10.1371/journal.pone.0020162.

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