Ao final da década de 50,
David Hubel e Torsten Wiesel descobriram neurônios na área de processamento
visual do cérebro com preferência por determinados estímulos. Na área do
cérebro onde se inicia o processamento visual a preferência é por estímulos
relativamente simples: barras que atravessam o campo visual (Figura 1). Alguns
neurônios preferem barras horizontais, outros preferem barras verticais e
outros ainda preferem barras com uma determinada angulação intermediária. Em
outras áreas de processamento visual a preferência se torna mais complexa e
específica. Há neurônios que só respondem a estímulos de determinada cor e, em
primatas, existem neurônios que respondem apenas a estimulação visual de faces.
Conforme a tecnologia
utilizada para registrar a atividade neuronal melhorou, cientistas utilizaram
estímulos mais complexos. Técnicas como ressonância magnética funcional,
registro simultâneo de vários eletrodos inseridos no cérebro ou as várias
técnicas de imageamento óptico da superfície cerebral permitem a análise da
atividade de um grande número de neurônios ao mesmo tempo. A combinação dessas
técnicas com os estímulos chamados de “cenas naturais” possibilitou grande
avanço no entendimento da rede neural envolvida na criação da percepção visual
pelo cérebro.
Mas nem só de estímulos
vive um neurônio sensorial. Neurônios de quase todas as partes do sistema
nervoso disparam potenciais de ação mesmo sem a presença de estímulo externo.
Populações de neurônios que disparam juntas fazem com que grandes áreas do
cérebro tornem-se ativas espontaneamente. Por algum tempo acreditou-se que essa
atividade espontânea não passava de uma aleatoriedade dos neurônios, um ruído
incompreensível sem informação relevante sobre a estrutura da rede. Sabe-se
hoje que isso está longe de ser verdade.
Muitos fatores podem
levar um neurônio a se tornar espontaneamente ativo, e há de fato alguma
aleatoriedade envolvida no processo. No entanto, conforme grandes grupos de
neurônios se tornam ativos de forma simultânea, ou ao menos correlacionada, os
fatores aleatórios pesam menos. Em artigo publicado na revista Nature em 2003, por exemplo, um grupo de
pesquisadores demonstrou haver padrões na atividade espontânea do córtex visual
que muito se assemelham aos padrões gerados por estímulos visuais (Figura 2). O
nível de atividade é mais baixo, mas a estrutura é praticamente a mesma.
Alguns argumentam que é
como se o cérebro estivesse a todo o momento fazendo pequenas simulações dos
estímulos que estão por vir. Esta pode ser uma forma de manter o sistema
nervoso preparado para responder de forma rápida e precisa quando um estímulo é
apresentado. Sabemos que se apresentarmos um mesmo estímulo várias vezes a uma
pessoa o sistema nervoso responderá de maneira similar a cada apresentação, mas
sempre com uma pequena variação entre as apresentações. Normalmente fazemos uma
média da atividade nervosa ao longo de várias apresentações para descartar
essas pequenas variações. Alguns cientistas têm buscado a origem dessa variação
e, aparentemente, a resposta para o problema está na atividade espontânea cerebral.
Cada vez que o estímulo é apresentado o cérebro está em um estado ligeiramente
diferente, o que resultará em uma ativação ligeiramente diferente do sistema
nervoso.
Há muito tempo que se
entende a percepção como uma construção da mente. No universo físico a luz
possui comprimento de onda, as moléculas possuem estado de agitação e as forças
de interação entre seus átomos geram estruturas variadas. Nossa mente traduz
esses parâmetros em cor, temperatura e odor, tudo construído pelo cérebro. O
estudo da atividade espontânea nos mostra que o cérebro não aguarda
silenciosamente pelos estímulos do mundo externo. Ao contrário, há sempre uma
expectativa, uma fraca simulação do universo em andamento. Essa simulação será
modulada, reforçada em alguns pontos e inibida em outros, e é desse encontro do
mundo externo com o mundo intrínseco à mente que nasce a percepção.
Por: Tiago Siebert Altavini
ts.altavini@gmail.com
Referências
Fox, M. D., Snyder, A. Z., Vincent, J. L., & Raichle, M. E. (2007). Intrinsic fluctuations within cortical systems account for intertrial variability in human behavior. Neuron, 56(1), 171–84. doi:10.1016/j.neuron.2007.08.023
He, Y., Wang, J., Wang, L., Chen, Z. J., Yan, C., Yang, H., … Evans, A. C. (2009). Uncovering intrinsic modular organization of spontaneous brain activity in humans. PloS One, 4(4), e5226. doi:10.1371/journal.pone.0005226
Hubel, D. H., & Wiesel, T. N. (1962). Receptive fields, binocular interaction and functional architecture in the cat’s visual cortex. The Journal of Physiology, 160(1), 106. Retrieved from http://jp.physoc.org/content/160/1/106.full.pdf
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