Em
meados de 2002, quando eu cursava a sexta série do ensino fundamental, a minha
professora de ciências mostrou para minha turma um filme que, até então, eu
desconhecia. Este filme, hoje com mais de 20 anos, chama-se “Filadélfia” e foi
um dos primeiros a tratar sobre a AIDS e outros temas como homofobia (você
pode ver um trailer aqui). O que
mais me marcou no enredo foi como a sociedade, representada na história por
vários “estereótipos”, tinha medo da então pouco conhecida AIDS e, por isso,
isolava os pacientes como se fosse uma forma de ajudá-los ou de entender melhor
sobre a pandemia que começava. Opiniões à parte, esse é um filme muito comovente
e que se você puder assista! Atualmente
muita coisa mudou e evoluiu no tratamento da doença, e na forma como as pessoas
lidam com os pacientes. No texto de hoje vamos entender um pouco sobre a
história da AIDS e de sua descoberta, os avanços na busca por novas terapias e
como, através de estudos genéticos, no ano passado os pesquisadores conseguiram
traçar a genealogia do vírus HIV.
No
período que foi de outubro de 1980 até maio de 1981 foram relatados em 3 diferentes
hospitais de Los Angeles (EUA) cinco casos de homens, jovens, sem nenhuma
relação aparente, com pneumonia causada por Pneumocystis carinii.
Esse fungo vive inofensivamente nos pulmões porém, quando há uma debilitação no
sistema imune, ele pode causar pneumonia. Esse foi o primeiro relato publicado
conhecido do que depois foi chamada Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(SIDA) ou AIDS, em inglês. Logo após esse primeiro relato, em dezembro de 1981
um grupo de pesquisadores norte-americanos também publicou um artigo relatando
um número inesperado de casos de Sarcoma de Kaposi (um tipo de câncer de pele
raro) na Califórnia e em Nova York. Os casos inesperados do Sarcoma de Kaposi e
da pneumonia causada por P. carinii
levaram as autoridades a criar uma força-tarefa em alerta para novos casos
dessas doenças; e com o passar do tempo outros casos surgiram e em países
diferentes. No início, as autoridades de saúde não sabiam como se referir a
doença e então, após uma reunião no ano de 1982, foi sugerido o nome Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida, visto que a doença enfraquecia o sistema imune.
O acrônimo AIDS ou SIDA tornou-se conhecido com o tempo.
Em
1983, depois de aproximadamente dois anos do aparecimento dos primeiros casos da
doença, dois grupos de estudo distintos – nos EUA e na França - conseguiram isolar
e identificar das células brancas do sangue de pacientes o vírus causador da
AIDS: HIV. O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) pertence ao grupo dos
retrovírus, ou seja, vírus que contém RNA como material genético. Assim como
todos os vírus, ele precisa de uma célula hospedeira para se reproduzir e, no
caso do HIV, essa célula é um tipo de glóbulo branco especial chamado
“T-helper”, que faz parte do sistema imunológico. O vírus reconhece essas
células e fusiona-se a ela, através de pequenos “ganchinhos” que ele possui na sua
superfície (veja na figura). Depois de fusionado, ele injeta seu conteúdo na
célula, inclusive o RNA, que após sofrer modificações por enzimas específicas
aloja-se no DNA da célula humana, fazendo com que o glóbulo branco então
produza mais e mais cópias do vírus HIV. As células de defesa humana vão
morrendo e perdendo a capacidade de defender o corpo e, por isso, as pessoas
com AIDS têm o sistema imune debilitado.
Figura: esquema ilustrativo do vírus da AIDS. Glicoproteína: fica ancorada na superfície e permite o
reconhecimento e a fusão aos glóbulos brancos; envelope e capsídeo: fazem parte da estrutura do vírus e ajudam a
“proteger” o RNA (material genético). A transcriptase
reversa é uma enzima que gera uma fita de DNA complementar à uma fita de
RNA. Fonte: Taniguti, Lucas (2015):
Esquema HIV. Figshare. http://dx.doi.org/10.6084/m9. figshare.1309469.
Um
dos períodos críticos da infecção pelo HIV é o momento em que ocorre a fusão do
vírus com a célula humana, como descrito no parágrafo anterior. Em outubro de
2014 cientistas conseguiram fusionar pequenas moléculas fluorescentes às
proteínas da superfície externa do vírus HIV e assim observar, em tempo real, o
que eles chamam “dança do HIV” - as mudanças conformacionais que vão ocorrendo
na superfície do vírus que culminam na fusão deste com o glóbulo branco. Com
essas informações os pesquisadores podem então desenvolver novas terapias que
foquem em impedir a junção do HIV com as células humanas.
Também
em 2014 um grupo de pesquisa conseguiu traçar a origem do vírus da AIDS utilizando
análises genética e programas estatísticos. Usando amostras guardadas do vírus
HIV (inclusive a considerada mais antiga) foi possível chegar ao “onde” e “quando”,
provavelmente, originou-se a pandemia, criando uma “árvore genealógica” do
vírus. Analisando as sequências os cientistas procuraram por “pegadas” das
mutações que o HIV sofreu ao longo do tempo. Os cientistas acreditam que o
vírus SIV (vírus da imunodeficiência dos símios – uma designação para um dos
grupos de primatas) sofreu uma mutação, originando o vírus HIV. Essa mutação
possibilitou a sua transmissão para os humanos quando, por exemplo, caçadores
lidaram com carne contaminada de chipanzés.
Para
os pesquisadores, a cidade de Kinshasa, hoje na República Democrática do Congo,
foi o foco da epidemia, mas o que permitiu que o vírus se espalhasse foi um
conjunto de fatores sociais e urbanos. Na década de 20 esta cidade estava em
expansão e registros médicos da época mostram uma alta incidência de doenças
sexualmente transmissíveis. Na cidade haviam muitos homens, o que causou também
um aumento no mercado sexual, levando o vírus a se espalhar pois as pessoas
tinham relações sexuais desprotegidas e com vários parceiros. Além disso, a
falta de cuidado dos médicos com seringas e agulhas e as ferrovias que
possibilitavam viagens por todo o país criaram condições perfeitas para o vírus
se difundir de sua origem.
Desde
então, a AIDS já matou mais 39 milhões de pessoas e, segundo a Organização
Mundial de Saúde, em 2013, 35 milhões eram portadoras do vírus. Com tudo isso podemos
ver a importância das pesquisas que continuam avançando até hoje! Novas
terapias e melhor compreensão da biologia da doença e do vírus levaram para os que
tem a doença uma maior expectativa de vida, com mais saúde e conforto. É a
ciência mais uma vez nos trazendo avanços! Mas vale ressaltar que ainda hoje
esta é uma doença que permanece sem cura, portanto a prevenção continua sendo
essencial!
Se
você gostou do texto de hoje, abaixo estão as referências que usei e lá tem
mais informações sobre o assunto. Qualquer dúvida ou sugestão são sempre
bem-vindas!
Até
a próxima!
Por Nathália de Moraes
nathalia.esalq.bio@gmail.com
Referências
bibliográficas:
[1]
Gottlieb et al. (1981). Pneumocystis
pneumonia – Los Angeles. Morbidity and Mortality Weeklyreport. 30(21): 250-2. Disponível em: http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/lmrk077.htm
[2]
Manual Merck. (2015). Pneumonia por Pneumocystis
carinii. Acessado de http://www.manualmerck.net/?id=67&cn=751
[3]
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Disponível em: http://www.medicine.mcgill.ca/epidemiology/courses/EPIB591/Fall%202010/Class%204%20-%2010%20Sept/LancetGCS.pdf
[4] A name
for the plague. (sem
ano). Time. Disponível em: http://web.archive.org/web/20080307015307/http://www.time.com/time/80days/820727.html
[5] Was
Robert Gallo robbed of the Nobel prize? (2008). Andy Coghlan. New Scientist. Disponível em: http://www.newscientist.com/article/dn14881-was-robert-gallo-robbed-of-the-nobel-prize.html#.VNo1TfnF-Ck
[6]
Biologia do HIV – o vírus HIV. (sem data). BBC Brasil. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/1357_biologia_aids/page2.shtml
[7] HIV
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data). Avert. Disponível em: http://www.avert.org/hiv-structure-and-life-cycle.htm
[8]
Researchers Watch, in Real Time, the Dynamic Motion of HIV as it Readies an
Attack. (2014). Weill Cornell Medical College. Disponível em: http://weill.cornell.edu/news/pr/2014/10/researchers-watch-in-real-time-the-dynamic-motion-of-hiv-as-it-readies-an-attack-scott-blanchard.html
[9]
Gallagher, J. (2014). Aids: origin of pandemic ‘was 1920s Kinshasa’. BBC.
Disponível em: http://www.bbc.com/news/health-29442642
[10] Where
did HIV come from? (sem
data). The AIDS Institute. Disponível em: http://www.theaidsinstitute.org/node/259
[11] The
early spread and epidemic ignition of HIV-1 in human populations. (2014). Faria et al. Science. 346
(6205): 56-60. Disponível em: http://www.sciencemag.org/content/346/6205/56
[12] Global
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WHO. Disponível em: http://www.who.int/hiv/data/epi_core_dec2014.png?ua=1
[13]
Global Statistics. (2014). AIDS Gov. Disponível em: https://www.aids.gov/hiv-aids-basics/hiv-aids-101/global-statistics/
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