Há um tempo, eu estava caminhando no
meu bairro quando a minha mãe me disse: “Eles - referindo-se aos donos da casa
- já passaram veneno no mato da calçada, mas ele sempre volta a crescer!”
Pensei comigo: possivelmente a grama daquela calçada é resistente ao veneno e
cresce mesmo após a sua aplicação. Crônicas do meu cotidiano à parte, não seria
útil saber, antes de aplicá-lo, se a grama da calçada é resistente ou não ao veneno?
É isso que tento responder no meu projeto de mestrado, mas em uma realidade um
pouco diferente.
A uva, como grande parte das pessoas
sabe, é uma das frutas que mais recebe aplicações de fungicidas e de outros
defensivos agrícolas, como forma de controle químico das doenças. Os produtores
têm receio de perder a produção por causa das diferentes doenças causadas por fungos
e por isso utilizam o controle químico como forma de "prevenir e
remediar" as doenças. Este exagero, além de poder prejudicar nossa saúde -
pois alguns resíduos ficam nos frutos que vamos comer - pode fazer com que os
fungos resistentes à ação dos fungicidas se “espalhem” pela plantação, tornando
o controle químico ineficiente.
O interessante é que nós, cientistas,
podemos saber se existem fungos em uma determinada população resistentes a um
ou a outro fungicida, ajudando a propor métodos adequados de controle da
doença. Uma dessas formas é investigar genes
específicos relacionados à resistência. Na minha pesquisa de mestrado irei
estudar, em 4 espécies de patógenos da uva (sendo três fungos) (Figura 1), um
gene mitocondrial chamado cytB.
Escolhi-o porque outros estudos já relacionaram mutações presentes neste gene com
a ineficiência da aplicação do principal fungicida utilizado no combate das
doenças.
De modo geral, o fungicida interfere no
processo de respiração celular dos fungos, impedindo uma parte do transporte de elétrons
na mitocôndria, causando um déficit na produção de energia que precisam para
viver, levando-os a morte. Mas, dentre os fungos podem existir aqueles que são
resistentes ao fungicida, ou seja, que não morrem mesmo após a sua aplicação.
As mutações que fazem com que isso ocorra, que estão relacionadas ao gene cytB, fazem com que a molécula do
fungicida não consiga mais se ligar ao seu sítio
alvo dentro das células do fungo, perdendo assim a sua funcionalidade. No
Brasil não temos nenhum relato publicado de que esses patógenos de uva sejam
resistentes ao fungicida, provavelmente pela escassez de pesquisas nessa área, mas
o fenômeno pode sim acontecer no país. Por isso que irei estudar o gene cytB na busca de possíveis mutações que
possam fazer com que o patógeno não seja mais sensível ao controle químico.
Como farei esse estudo do meu gene de
interesse? Dentre todas as técnicas que existem hoje, podemos sequenciar o
gene, ou seja, saber exatamente qual a ordem das bases nitrogenadas A, T, C e G
nesse pedaço do DNA que corresponde ao gene. Além de sequenciar e estudar esse
gene em busca das mutações que causam a resistência ao fungicida eu também faço
experimentos no laboratório testando quais populações são ou não resistentes,
colocando os fungos para crescer no meio de cultura com o fungicida. Os
resultados desses experimentos casam com os outros que consigo estudando as sequências
de DNA.
Figura 1 - Colletotrichum sp - é um fungo patógeno da uva e é meu interesse de estudo (Foto de autoria própria – Moraes, 2014). |
O objetivo do meu projeto, além de
fazer esse estudo no gene cytB e
buscar mutações que possam conferir resistência aos fungos é, a longo prazo,
ajudar a propor aos produtores de uva medidas de controle adequadas às doenças
e aos patógenos. O meu estudo é também parte de um grande projeto, com
financiamento da FAPESP, que estuda a epidemiologia, os danos e o controle de
doenças na uva.
Para mim todo esse conjunto é o que de
melhor a ciência nos proporciona: poder ajudar as pessoas! Se os resultados e
todo o conhecimento gerado por nós, pesquisadores, ficassem na gaveta e nos
relatórios todo esforço seria pouco útil. O mais gratificante é poder
apresentar esses resultados ajudando as pessoas e trazendo contribuições para a
sociedade. E é isso que eu pretendo com meu mestrado, ajudar com minha pesquisa
e me realizar como pesquisadora.
Se você, leitor, tem mais interesse no
assunto aqui está um trabalho bem didático que inclusive usei como parte do meu
projeto:
Além disso, também sinta-se a vontade
para comentar em nossa página ou entrar em contato conosco!
Até a próxima!
Por Nathália de Moraes
nathalia.esalq.bio@gmail.com
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